quinta-feira, 24 de setembro de 2009

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Da eterna guerra dos sexos. Há uma música do paraense Pinduca (Aurino Quirino Gonçalves), aclamado como “o rei do carimbó”, que eleva a mulher a um nível de astúcia e sagacidade que torna-a capaz de enganar o próprio Diabo. Diz assim: “O rico e o pobre são duas pessoas. / O soldado protege os dois, / O operário trabalha pelos três, / O vagabundo come pelos quatro, / O advogado defende os cinco, / O confessor condena os seis, / O médico examina os sete, / O coveiro enterra os oito, / O Diabo carrega os nove / E a mulher engana os dez”. O enganar ou o ser enganado fazem parte de um jogo sentimental complicadíssimo, em que um ou outro é ativo ou passivo, a depender da situação (Situation) - termo que, aqui, e conforme introduzido por Jaspers, tem haver com a relação do homem com o mundo dado, sentido, na medida em que este o limita, condiciona e, ao mesmo tempo, fundamenta e determina as suas possibilidades. Conforme consta na sua Psychologie der Weltanschauungen: “A situação externa, apesar de tão mutável e diferente, segundo o homem ao qual se aplica, tem a seguinte característica típica: para todos tem duas faces, incita e obsta, inevitavelmente limita e destrói, é ambígua e insegura”. É que, no caso amoroso, o inconsciente de cada um faz com que a procura do pai (ou da mãe) ideal para os seus filhos – mesmo que isso seja a última coisa que passe por sua cabeça – vacile ante as opções, mas o freio moral limita os caminhos dessa procura. O único freio que há contra esse carnaval é a moral secular (a cristã, principalmente), a idéia de moral, ou sua imposição social, consensual; o homem e a mulher não são animais de um parceiro só, como bem poucos bichos são. Mas, também essa moral - e mesmo a que alguns mencionam como “lei moral interior” (Lewis), ou moral autônoma (Kant), não cristã (da razão somente, pura) - é um mecanismo natural da Vontade, para que haja algum equilíbrio e, assim, sejam assegurados os meios de seus genitores, gerados os filhos, somarem forças para criá-los e, neles, por meio deles, manterem-se como são, mas como “cópias melhoradas” (cf. 1, 38). Ainda assim, e principalmente antes da gestação, a natureza joga indivíduos contra indivíduos na seleção do mais apto a gerar filhos perfeitos, saudáveis e aptos a continuarem no jogo. Daí que as mulheres não são “amigas dos homens”, e vice-versa, nem podem sê-lo – pois que o jogo precisa do rival, aquele ou aquela a quem se deve derrotar. Derrotar = subjugar pelo sexo; a violência da libido, do coito - e não por acaso se fale, com relação ao objeto amado, em conquista. Daí que, por vingança ou jocosidade, nem o Diabo, n’O rico e o pobre, do Pinduca, escapa da astúcia feminina. Também a sabedoria popular reconhece nos homens essa imagem de capeta, trovando-os de modo análogo à idéia do próprio Coisa-Ruim: “Que os homens são uns diabos / não há mulher que o negue. / Mas todas elas procuram / um diabo que as carregue”, diz uma cantiga popular de Pernambuco. A guerra dos sexos não acaba nunca porque, no seu âmago, na sua essência, está a sobrevivência da espécie e a procura pelo melhor para o futuro – que são os filhos.

Um comentário:

  1. Antes, na forma legisladora de Kant e muito femenina, eu via o homem como o "TAL" (expressão da época). Hoje, vejo que o sexto sentido e a inteligência encaminham as mulheres a autonomia. Há algum tempo e muito mais hoje, sei que se bem conduzido o homem se curva ao domínio emocional e sentimental femenino. Nesse contexto, força e inteligência, o amor tem o equilíbrio e a espécie sobrevive.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo