quinta-feira, 17 de setembro de 2009

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Dos estragos do amor errante. O amor é sempre “amor por algo”. Não se ama o vazio (ou o “Nada”), por exemplo – e mesmo que alguém afirme amá-lo, numa contestação infundada, por ser “do contra”, como dizemos, ainda assim o seu amor pelo “nada” será, por assim dizer, um amor por algo. Dizer o Nada é, numa ontologia fundamental heideggeriana, dizer o Ser do Não-ser; algo, portanto. O “Nada”, dizível, é somente enquanto conceito que denota a ausência de... Não é não-ser, realmente; pois que, senão, também não dizível. A simples menção desse “algo” é a afirmação do Ser do mesmo, quer de modo positivo ou negativo. Assim também são os discursos sobre o amor romântico. Por isso que o amor pode, entre dois amantes, fazer a sua morada no coração de um só. Neste, amor demais (= paixão) é dor demais. Há quem queira fazer distinções conceituais e sutis entre passio e amor, mas a passio é, tão somente, um sintoma da Vontade, e o amor, enquanto termo que nomeia um sentimento, um nome dessa máscara, uma invenção do engenho humano e da própria Vontade que, nos homens, diferentemente dos animais, vai além do instinto... instituição. Estar apaixonado, ou in love (amando), é achar-se doente. E isso, essa máscara e essa doença dos sentidos, basta estar vivo, acontece muito freqüentemente. Freqüentemente alguém diz ter amor por outro alguém que, indiferente a esse apelo da paixão do Outro que procura o seu objeto, diz que seu coração – sua casa – está fechado; freqüentemente alguém chora quando vê o seu amor, como um inquilino pobre, receber ordem de despejo; freqüentemente alguém escreve um poema ou uma canção triste, triste tão triste que pode fazer Orfeu chorar - ou rir da cena ridícula -; freqüentemente uma noite pode parecer mais longa, mais fria e mais escura do que todas as outras noites juntas; e o mundo, uma vez tão sólido, parece ruir sobre uma velha fotografia, enquanto uma estrela no céu se apaga, imersa na escuridão... DOENÇA. “Amor é sofrimento, é descontentamento; é mais que violento, o amor”, diz a Adélia. É, o amor romântico também é erradio; nômade por vocação. Confundido (co-fundido) com a paixão, desvanece – paixão é fogo (“O amor é fogo...”, diz Camões, plagiando Petrarca), fogo que apaga logo –, e não há lenha que lhe baste. Quem sabe disso é quem já lhe deu abrigo e o viu partir rumo ao horizonte desconhecido, sem bilhete de adeus, sem justa justificativa. O amor romântico, coisa mais que horrorosa, nunca parte sem estragos: ele sempre parte o coração, seja o de quem vai ou o de quem fica; ou de ambos.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo