segunda-feira, 30 de novembro de 2009

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Da libido. Pode ocorrer, e geralmente ocorre, que o amor possível seja envolvido numa espessa neblina, turvando os juízos estéticos que classificam este ou esta como candidatos ou candidatas a um “amor perfeito”. Momentaneamente, tal consentimento faz o feio parecer bonito. É o domínio máximo do desejo libidinoso, da Volúpia - nome que foi dado a uma cachaça produzida em Alagoa Grande, Paraíba, desde 1946. É o momento lúdico-entorpecente que leva o bonito a “fazer amor” com a feia (ou vice-versa), como quem embriagado, sem considerar com rigor os juízos estéticos naturais que todos os indivíduos têm em relação ao Outro - aquela noção inconsciente de beleza e de feiúra, constatação de alguma deficiência ou excesso. É uma aceitação festiva, irrefletida, sem critérios imediatos. Marcel Conche, em Analyse de l’amore et autres sujets, de 1997, tratando sobre o que acredita ser o amour parfait (“amor completo”, que é mais que o “amor à pátria” ou o sentimentalismo vazio, embriagado), diz que ele “supõe o encontro de um semelhante, com o que não se deve entender necessariamente um ser humano que se pareça conosco no que cada um de nós tem de particular, que pode ser uma doença, uma deficiência, uma feiúra, ou a velhice, etc., mas um ser humano que não provoque, em quem olha, objeções a seu ser, isto é, que nos parece bem ele ser como é, sem acréscimos nem retoques. O amor é alegria. A feiúra não pode proporcionar alegria, por conseguinte fica faltando certo componente da alegria”. É o ditado popular que vale, aí: “Quem ama o feio, bonito lhe parece”; é também o exercício relaxado de outro adágio, máxima da passividade: “Não tem tu, vai tu mesmo”. Nas boates, hoje em dia, é comum que pessoas bem jovens se encontram, troquem duas ou três palavras, se olhem, libido abundante, e já nesse primeiro encontro, casual, se comam, queiram se comer. Quer dizer: não há aí aquele amour parfait, só o incomplet amour que, todavia, é o mais real – porque um tal “amor perfeito”, mesmo, só há enquanto categoria abstrata. É, Marcel Conche não é canônico. A volúpia, ou a libido, numa intensidade que não se pode calcular, evidencia o “fim” mais carnal, e por isso real, a que se destinam tais relações fincadas na Vontade. O desejo pelo feio – e o “feio” é sempre um não-convite ao coito, logo a não permanência da vida – existe porque, mesmo aí, como um maratonista atrasado, há a carência de um equilíbrio simétrico/assimétrico em relação ao belo. Do mesmo modo que os atletas de uma maratona não podem ocupar, todos, a primeira posição, assim também o belo em relação à beleza. Ora, quem não sabe?, onde só há o belo, não há o belo. Narciso sempre morre diante de seu reflexo. Uma contraparte é sempre necessária à existência do equilíbrio, dos jogos de amor, das conquistas. A vida, portanto, nos obriga ao sexo; mesmo sem a presença colorida daquilo que os românticos chamam de amor, ou daquilo que os estetas chamam de belo, beleza.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo