segunda-feira, 23 de novembro de 2009

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Das indefinidas definições. O tema sobre o amor (ou “amores”) pode ser um tratado filosófico dos mais profundos, ou dos mais simples também. Tem, por isso, por natureza, constante carência de definições sistemáticas: não se pode falar de (e não do) amor sem que, antes, ele – ou eles, porque são muitos – seja definido, muito bem definido. Tal tarefa, no entanto, assemelha-se ao ofício daquele que retira o cheiro da flor, ou o doce da mão da criança. Ofício inglório, tem pouca serventia. A ignorância, nos casos do amor romântico, se aproxima de uma felicidade possível, uma felicidade amorosa prometida – o maior dos enganos, e o mais doce dos sonhos. Amar é achar-se enganado; continuar amando é querer estar enganado: é bom, é ruim. Daí, novamente, o paradoxo sentimental descrito pela Adélia: “Amor é a coisa mais alegre / amor é a coisa mais triste / amor é a coisa que mais quero”.
O espírito que acredita nesse amor romântico (amor de “alma gêmea”) não é e nem pode ser filósofo; e, se assim se pensa, tem-se a mente de um poeta, de um teólogo. O filósofo autêntico, espírito livre, é (e só assim pode ser) uma pessoa desencantada - que não é o mesmo que “pessimista” e nem “mal-humorado” -, e nem mesmo o sorriso de uma criança lhe comove tanto, e nem o desabrochar das flores, o vôo irregular da borboleta colorida, e nem o crepúsculo, ou a aurora, ou o cantar dos passarinhos. Aí, em tudo e por todo o canto na natureza, o que ele vê é luta, a ação da Vontade na competição pela vida, pela vida da vida. A dor - sim, a dor! - é tão presente em tudo quanto o ar, a luz do dia ou a escuridão da noite. Para suportar tudo isso, criaram-se as artes, as religiões, as doutrinas várias, as confissões de fé (em Deus ou na ciência) que têm a função de gerar um alívio psicológico inibidor da dúvida, promotor de uma fé nalguma fé. “É preciso duvidar de tudo”, dizia Kierkegaard (o grande sedutor) através de Johannes Climacus, um heteronômio seu; mas ele mesmo não duvidava em absoluto, e nem era preciso - e daí as inquietações do jovem Climacus, arrebatado por uma insólita paixão: a paixão pela filosofia. É preciso acreditar em algo. Mesmo o não crente precisa crer na possibilidade da sua não-fé ter algum sentido, fazer algum sentido. Não é possível um tal “ceticismo absoluto”: à ciência, à religião ou às coisas do amor romântico, por fim...
Pra espantar a dor, o grito; e o resto é só silêncio.

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