quarta-feira, 18 de novembro de 2009

55
.
Das enfermidades. Um dos mais belos e antigos poemas sobre o amor é o que compõe o livro dos Cantares, de Salomão – às vezes também chamado de Cântico dos cânticos. Alguns religiosos com tendências à mistificação de tudo, em suas forçadas hermenêuticas, querem entender e fazer com que o texto seja recebido e digerido pelo povo (o rebanho) como “uma relação espiritual de Deus com o seu povo”, “do Cristo com a sua Igreja” ou, como fez são João da Cruz, “a união das almas com o Deus de amor”. Equívoco dos maiores! Acontece que o livro dos Cantares é, sem muitos rodeios, um livro sobre a paixão, sobre o amor carnal – aquele que faz do amante um enfermo: “Eu dormia, / mas meu coração velava / e ouvi o meu amado que batia: / ‘Abre, minha irmã, minha amada, / pomba minha sem defeito! / Tenho a cabeça orvalhada, / meus cabelos gotejam sereno!’ // ‘Já despi minha túnica, / e vou vesti-la de novo? / Já lavei meus pés, / e vou sujá-los de novo?’ / Meu amado põe a mão / pela fenda da porta: / as entranhas me estremecem, / minha alma, ouvindo-o, se esvai. / Ponho-me de pé / para abrir ao meu amado: / minhas mãos gotejam mirra, / meus dedos são mirra escorrendo / na maçaneta da fechadura. // Abro ao meu amado, / mas o meu amado se foi... / Procuro-o e não o encontro. / Chamo-o e não me responde... // Filhas de Jerusalém, / eu vos conjuro: / se encontrardes o meu amado, / que lhe direis?... Dizei / que estou doente de amor!” Amar é estar possuído, habitado, doente. E é uma doença tão medonha que, por ela, morre-se e nem se sente – de tão anestesiados os sentidos. A canção de Odete de Pilar, Ô serena serená, é um bom exemplo: “Ô serena serená / Serena do amor / Nos braços de quem me ama / Morro, mas não sinto a dor...” Outra canção popular, Mulher nova, bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor, de Zé Ramalho e Otacílio Batista, fala em sua primeira estrofe sobre a Guerra de Tróia, e de como Helena, seduzida por Páris, foi pivô do massacre impetrado por Menelau, o maior dos espartanos, contra os habitantes de Tróia. A estrofe final, mote que dá título à canção, termina sempre assim, dizendo: “Mulher nova, bonita e carinhosa / Faz o homem gemer sem sentir dor.” Por fim, e ainda como exemplo, há o famoso soneto de Camões – na verdade, trata-se de um plágio de Francesco Petrarca, pedra fundamental da poesia lírica italiana e, sem dúvida, uma das grandes influências da literatura do Ocidente –, que diz: “Amor é fogo que arde sem se ver / É ferida que dói e não se sente...” Na vastíssima literatura universal os exemplos pululam: por amor se morre, se mata. O entorpecimento dos sentidos, ou a sua completa embriaguez, é o que caracteriza o estado psicológico mais avançado dos apaixonados, dos doentes.

2 comentários:

  1. Há um equívoco neste testo. Essa letra é de Otacílio Batista mais outro poeta do Pajeú pernambucano, interior do Pernambuco, também conhecido como São José do Egito. A única participação de zé Ramalho é cantando a música . Zé Ramalho não compôs nada nesta música .

    ResponderExcluir
  2. O outro poeta que participou da composição desta música foi Clodomiro Paes . Ok.

    ResponderExcluir

patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo