terça-feira, 1 de dezembro de 2009

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Das sem-razões do amor. Ângelus Silésius, monge medieval, dizia que o amor, como uma rosa, “não tem porquês. Ela floresce porque floresce”. Algo parecido com o que é dito por Drummond, no poema As sem-razões do amor: “Eu te amo porque te amo. [...] Amor é estado de graça e com amor não se paga”. Mas, se isso fosse mesmo verdade, então o ditado popular, “amor com amor se paga”, e a litania atribuída a São Francisco de Assis, “é dando que se recebe”, estariam equivocados. Todavia, tudo sugere, quem se equivoca é o Drummond; Silésius, não – porque as rosas, “as rosas não falam, simplesmente as rosas exalam...” (Cartola). As rosas são “coisas” naturais, símbolos, às vezes, e nada mais. No entanto, tudo aí, por boca dos três autores referenciados, é poesia; e a poesia, como o amor romântico, não tem compromisso com verdade - nenhuma verdade além da verdade de si-mesma. Na poesia, valem as não-verdades que são, eo ipso, verdades de si-mesmas. A respeito do ofício poético, Fernando Pessoa dizia: “O poeta é um fingidor. / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente”. Sendo um fingidor, o poeta sofre a dor real, maquiando-o como dor fingida, elevando-a ao nível representacional, poético – disfarçando a verdade, maquiando o natural, como também é feito à Vontade, sob a máscara do amor romântico. Da mesma forma fazem os apaixonados: ao sofrerem por amor, fingem – mesmo de modo inconsciente – que sofrem pelo Outro quando, na verdade, é por si-mesmos que sofrem. E assim, como na poesia, o amor é elevado a uma categoria sublime, não comercial. “Eu te amo porque te amo”?, não; eu te amo porque me amo. Pois o Outro, objeto do “nosso amor”, tem aquilo que, em nós, existe como falta. Quando Marcel Conche diz que o “amor completo” é aquele que, olhando o Outro, “não faz objeção a seu ser, isto é, que nos parece bom ele ser como é, sem acréscimos e nem retoques”, é que esse outro é conforme o nosso desejo. No fim, é o nosso (???) que, no outro, como o reflexo no espelho, corresponde a nós mesmos, nos representando volitivamente. Nos olhos do outro vemos o nosso reflexo. Quando quereremos “mergulhar” no outro queremos mesmo é mergulhar em nós. Como acorre à rosa, ocorre ao amor, “ele floresce porque floresce”. Silésius, mesmo sem entender ou defender esse mecanismo engenhoso da vida sedenta por continuidade, falava do amor como nascido de um estado natural, uma condição essencial da vida em benefício de si mesma. O amor existe porque, ao que está vivo, nada lhe é mais natural que desejar continuar existindo – mesmo quando este, vivente, voluntariamente caminha para a forca. A vida, afinal, sempre joga a favor de si mesma; e como poderia ser diferente? O amor é apenas a efetivação desse mecanismo natural da vida em favor de si. Daí que, ao contrário do que diz a não-verdade da verdade do amor, em Drummond, o “amor com amor se paga”. Isto é, a vida transita entre as paixões e as ações, entre as potências e os atos. Mas, e se todos os homens morressem, a vida também pereceria? Não. Mas, quem saberia dela? Quem falaria sobre... amor? Onde não há Vontade não há vida; onde há vida, há Vontade. E só há amor onde há algo a ser amado. É um ciclo perfeito de auto-alimentação e existência conseqüentes, ou vice-versa. Daí que, como acontece ao calor, assim também ao amor: que é apenas a adequação (ou troca) de estados desiguais à procura de igualdades, de simetrias. Somente na vida é que se encontra a estabilidade – que precisa, para alimentar-se, da instabilidade dos “nossos” jogos amorosos. Como se vê, as sem-razões do amor não são lá assim sem razões.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo