domingo, 30 de agosto de 2009

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Do inconsciente. Freud era casado com Martha Bernays, com quem vivia muito bem. A única coisa que Freud detestava era a religião – a judaico-cristã, em particular – e os Estados Unidos. Conhecido como “o pai da psicanálise” – que significa, literalmente, “falar sobre (ou estudar) a alma” –, Freud acreditava ser possível compreender e tratar certas doenças mediante a análise da alma, ou da mente. Ateu proclamado, também acreditava que as pessoas eram constituídas de mente e corpo, e só; sendo a mente uma parte do corpo. Isso quer dizer que um problema mental pode, de várias maneiras, atingir o corpo; e o tratamento mais adequado para o tal problema pode não ser aquele que é administrado diretamente ao corpo, mas à mente. Freud, por isso, comparou o seu trabalho à arqueologia: ele escavava a mente humana em busca de coisas ali enterradas, encobertas. E foi assim que ele desenvolveu as teorias do inconsciente e do complexo de Édipo, dentre outras.
Numa viagem que fez a Paris, entre 1885 e 86, com a finalidade de observar os trabalhos de Jean-Martin Charcot – que havia descoberto que, sob o efeito da hipnose, poderia fazer sumir os sintomas dos seus pacientes histéricos, como também, caso quisesse, fazer tais sintomas aparecerem em pessoas saudáveis –, o jovem Freud se convenceu de que o problema de muitos daqueles pacientes (como a paralisia, por exemplo) não eram físicos, mas mentais. Ele, todavia, não adotaria a hipnose como tratamento – embora tenha se utilizado dela por um curto período. Permitindo que as pessoas simplesmente falassem dos seus problemas, Freud desenvolveu o método da livre associação: por meio do que dizem, as pessoas, inconscientemente, revelam algo sobre a raiz (ou o fundamento) dos seus problemas psíquicos.
Caso famoso, da livre associação, é o do “homem dos ratos”. O tal homem, muito gordo, decidiu que tinha de perder peso. Deixou de comer doces, passou a correr ao sol e escalar montes até ficar exaurido. Acontece que a palavra “gordo”, em alemão, é “dick”; e Dick era o apelido de Richard, um primo seu, americano. O “homem dos ratos” tinha ciúmes de Dick, que demonstrava demasiado interesse por uma garota que era o amor da sua vida. Assim, livrar-se da gordura significava, para ele, livrar-se de Dick. Por meio de sofridas dietas, ele não castigava a si mesmo, mas a Dick, seu oponente.
Nós também, inconscientemente, fazemos isto o tempo todo: o outro, que nos oprime, nós o punimos em nós mesmos. É assim que, quando você ouve uma canção que lembra um amor perdido, ou chora por um amor que nem chegou a ser “seu”, você está se autocomiserando, punindo o outro que está em você – seja na saudade dolorida ou na raiva reprimida, recalcado. O mesmo acontece quando alguém bebe ou tem crises de sono: na embriaguez ou no sono, tenta-se esquecer um problema qualquer, uma dor qualquer. Essa “fuga”, ou punição do outro em nós mesmos, acontece de muitas e variadas maneiras. Por cima de tudo está em questão a nossa própria sobrevivência, física e mental.
Isso tudo pode explicar, talvez, o problema da “mulher dos gatos”. Ela amava João, que não a amava, porque só conseguia pensar em Tatiana. Quem ficou sabendo dessa sua paixão, e sofreu por isso, porque a amava, foi o Augusto. Um dia, numa conversa que a “mulher dos gatos” teve com João, ele retirou-lhe todas as esperanças de um futuro romance. E ela viu o seu horizonte turvar sob um céu encarvoado de uma opacidade inenarrável. O mundo todo, num instante, perdeu a cor, o brilho. E foi assim que, tempos depois, ainda tendo em mente as palavras de João, ela, sabedora dos sentimentos de Augusto, numa conversa que teve com ele, retirou-lhe todas as esperanças de um futuro romance. E Augusto viu o sol dizendo adeus por sobre o horizonte distante, tão distante como nunca antes visto – e o crepúsculo, desde então, para ele, tornou-se a hora mais triste do dia; uma metáfora do adeus. É que ela, a “mulher dos gatos”, inconscientemente, condenando Augusto ao desterro, condenava não a ele, exatamente – e nem fazia isso por maldade –, mas, de modo indireto, vingava-se de João, punindo-o pelo que fizera a ela. O mando de situação, ao contrário da cena do capítulo anterior, era dela agora, ao seu favor, sob o seu controle. Ela, assim, de algum modo, reassumia a sua posição de rainha no jogo. Pois, vocês não sabem? Amar ou ser amado faz parte de um jogo que, geralmente, perdemos: ganhamos o jogo e, aí, nos perdemos no outro; perdemos o jogo e, aí, o sofrimento da derrota. E ninguém gosta de perder, ninguém gosta de sofrer; mas não há opção no jogo do amor romântico. Conclusão: por trás de tudo, emergindo do id, prevalece o nosso ego: seja amando ou punindo o outro; mas, no final, é a nós mesmos que punimos.

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