sábado, 15 de agosto de 2009

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Das gerações futuras. O velho, amolador de facas, viu quando o casal se aproximou dele, mas não lhes deu muita atenção. Seus olhos, fixos na roda que fazia girar com o contínuo movimento do pé direito, só se ergueram quando o rapaz, de braços dados com a moça muito bonita, perguntou:
– O senhor não é o seu João?
– Sim! E o senhor me conhece de onde? – Perguntou o velho, com um sorriso amistoso, retribuindo o trato cortês.
– Pois então, seu João; eu sou filho do Sueldo Gomes. O senhor não lembra dele?
– Sim, sim, meu jovem. E como é que eu haveria de me esquecer do Gomes? Eu e o seu pai fomos colegas na mesma turma de escola. Só depois que ficamos adultos, filhos nascidos, foi que nossos caminhos tomaram rumos diferentes. Então você é aquele garotinho que eu vi assim, pixotezinho... – disse o velho, fazendo medidas no ar, com a palma da mão; e perguntou: - Mas, me diga: como vai o Gomes?
– Vai bem. Abriu mais uma loja que distribui os objetos que a fábrica... fabrica. Tá até pensando em abrir umas filiais fora da cidade.
– Gomes sempre teve um espírito empreendedor. Dono de fábrica; veja só! Mas, fábrica de quê?
- De sapatos de couro e outras coisas. E o senhor, seu João; como vai? Porque eu tenho certeza que ele vai me perguntar isso, quando eu disser que o vi.
– É, vai mesmo. Bom, como você pode ver, não tive a mesma sorte que o seu pai. Trabalhei aqui e ali, sempre pros outros; fiquei sem emprego. E agora que sou velho, não para trabalhar, mas para arrumar trabalho, ganho a vida, enquanto posso, fazendo uns bicos aqui, outros ali, amolando facas, tesouras, essas coisas. É um jeito de completar a aposentadoria, que é bem pouco.
– Vou falar do senhor pro pai. Tenho certeza que ele vai querer lhe quebrar um bom galho... até mesmo pelos velhos tempos.
– Ah! E eu lhe fico muito agradecido. Mas, independente de qualquer coisa dessa natureza, diga-lhe que eu mando lembranças, que sempre lembro dele nas minhas boas recordações. Diga que eu pedi pra você perguntar sobre o franguinho do Fernando... ele vai dar umas boas risadas quando você disser isso.
E o velho riu, gostosamente. O rapaz não sabia do que se tratava; mas o seu pai, certamente, lhe contaria a história toda para explicar os motivos dos risos do seu João.
– Mas, vejo que você vai se casar – disse o velho, notando a maneira carinhosa com a qual o rapaz cuidava da moça, e olhando para as grossas alianças que ambos usavam no dedo anular da mão direita.
– Pois é. Já plantei uma árvore; já escrevi um livro, ou quase isso, e, agora, só me resta ter um filho, como dizem por aí.
– É; dizem. Plantar a árvore tem haver com a permanência da vida na terra, o ambiente propício às gerações seguintes; escrever o livro tem haver com a transferência do saber adquirido; ter um filho diz respeito à nossa própria continuidade: por eles, ou através deles, nos mantemos vivos. Filhos são retratos dos pais, espermas crescidos.
– Eu não havia pensado o ditado por essa perspectiva.
– Pois é.
Seu João era cheio de filosofices, e sabia muito sobre as coisas do amor; mas achou melhor não dizer tanto ao rapaz; ele precisava saber por ele mesmo. E foi assim que, depois de amolar muitas facas e tesouras, seu João foi trabalhar no almoxarifado da Sueldo’s, no Bairro das Indústrias; está lá até hoje.

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