terça-feira, 25 de agosto de 2009

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Das fantasias. Daniela acreditava que João Aurélio era o “homem da sua vida”. Tanto acreditava que, mesmo sabendo das suas traições, tantas, lá no fundo ela pensava que, ao “fazer amor” com as outras, era com ela que ele fazia, porque pensava nela e era pra ela que ele sempre voltava. De algum modo, por alguma desconexa defesa da sua fé no amor, se agarrava com todas as forças na crença de que, um dia, João se redimiria, largaria aquela vida devassa e se dedicaria só a ela, e seriam, por fim, felizes. O amor romântico é sempre assim: dono de promessas de futuras felicidades – mesmo que, no presente, somente tristezas e decepções seja o seu quinhão. O amor romântico, conforme inventado, tem esse poder tenebroso de iludir pessoas, de conceber felicidades incompletas que precisam ou que pensam que precisam do/da outro/outra para serem completos/as. A maior dessas ilusões é a da estética, da simetria. Como Daniela, muitas mocinhas metidas a Barbie procuram seus Kens, seus príncipes encantados; o homem perfeito: bonito, rico, educado, sério e, lá no fundo, um pouco safado – que é para não cair na monotonia. Com o fracasso da moral ocidental – a cristã, em particular –, vê-se cada vez mais que esse modelo de “bom rapaz, direitinho”, que nem na música do Tom Zé, é coisa só para o cinema, somente para a literatura fantasiosa. “Bom rapaz, direitinho, desse jeito não tem mais”. E quando tem, é coisa chata; nem a mãe agüenta. A mulherada, embora não confesse abertamente, não gosta de rapazes engomadinhos, “filhinhos da mamãe”; e quanto mais a mocinha é bem criada, tanto mais tende a se ligar nesses rapazes à James Dean, Jim Morrison, auto-incendiários; e se não o fazem mais é porque as amarras culturais – nas quais foram criadas – ou a covardia própria lhes bota freios. Sim, é claro; existem as excessões. Grosso modo, porém, meus senhores e minhas senhoras, suas filhas “se amarram” mesmo nesses caras doidões e, no entanto, caretas; pois o amor – que nada mais é do que uma armadilha da Vontade da vida com o fito de fazer as pessoas procriarem e, assim, manter-se – também impera sobre esses, fazendo-os tão suas vítimas quanto as vítimas desses. A Vontade precisa de alguma estabilidade que lhe garanta o sucesso do empreendimento, e embora apareça como um instinto domado, amordaçado conforme o modelo da cultura, está aí, sobrevoando o mundo à cata de suas presas. E se todas as histórias de todas as lutas têm, no seu enredo mais profundo, um script ditado pelo amor, é porque o amor tem, em relação à Vontade da vida, uma funcionalidade mais do que conveniente. O disfarce é tão perfeito que, esquecendo suas próprias vidas, as pessoas fantasiam o amor para além dela. Daniela não sabia disso; mas sabia que a ignorância, às vezes, pode ser uma bênção.

3 comentários:

  1. Você vai no ponto P... Qd tiver de saco cheio de dar aulas, tocar e tal, pode até botar umas cartas. Sucesso garantido.
    Um beijo de Tela.

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  2. Mas também o que seria da vida sem fantasias como essa? "All the word is a stage" Se fosse pra ser encarado de forma tão pragmática,teria o amor tanto peso na vida?Acho que não.E mesmo sabendo que o amor é uma coisa mais da terra,que do ar, continuo a fantasiar,a sonhar,a querer... xD
    bjo,Pata

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  3. Dizem que o verdadeiro amor não acaba. Hoje eu sei que acaba, ou não era amor. "Era a loucura da razão ou a razão da loucura" da adolescência. Fantasmas existem muitos e de vários tipos. Mas pra mim foi o que eu
    esbarrei no meio da sala outro dia. Eu ainda disse: sai do meio, quase me derrubou, que susto!!! Fiquei feliz com o acontecimento e até sorri. Ninguem acredita, mas é
    verdade. A morte está sempre rondando e entristecendo, provocando os desencontros da vida. Quando a gente fala o outro não responde. Quando esse outro responde a gente não ouve.
    Que droga! Levando para o mundo do "além", "quem sabe a resposta não está num outro cordel" Hoje não estou inspirada! vou lê de novo e espremer pra vê se sai mais alguma coisa.

    Bjo. Marta Maria

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo