sexta-feira, 14 de agosto de 2009

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Da indecisão. Zaratustra observou uma mulher que levava um enorme vaso d’água nos ombros. Os homens que o ouviam notaram que ele, com os olhos, acompanhava-a em seu minúsculo trajeto, do poço à taberna que distava pouco mais de vinte metros da praça; a mulher, talvez pelo excesso de peso, esvaziou parte do conteúdo do vaso e, aí, pareceu haver esvaziado demais, pois fez uma grave cara de decepção. Todos pensavam que Zaratustra ia fazer algum comentário à cena, mas ele não disse nada. A sua atenção agora se voltava para um menino que brincava com um velho e esquelético cão.
– Não nos dirá nada sobre a mulher? – alguém perguntou, incitando-o. Os outros riram, esperando que o eremita se pronunciasse.
– Acaso é Zaratustra um tagarela? Porque falaria de tudo, como se as palavras fossem catarro? Não tenho o que vos dizer – declarou, indolente.
Todos ficaram contrariados. Zaratustra parecia não corresponder, de uma ou de outra forma, ao tipo de sábio que eles imaginavam. E foi aí que o eremita disse, repentinamente:
– Por que necessitais de um doutrinador? Zaratustra é, acaso, um doutrinador? Precisa de discípulos nos quais derrame a sua doutrina? Não é Zaratustra uma planta antes da semente? Não são suas palavras podadeiras antes dos galhos? Quem necessita da sabedoria senão os sábios? Mas, vós, sois sábios? Se não, do que necessitais? Se sim, do que necessitais?
Alguns homens, os mais altivos, irritaram-se com Zaratustra, vociferando palavras depreciativas, boca miúda; mas o velho eremita permaneceu como se surdo fosse. Depois os homens foram embora, ainda praguejando. Achando-se só, Zaratustra se dirigiu a um asno que pastava por ali, depressivo.
– Esses homens – disse ao asno, que lhe ignorava por completo - são como aquela mulher que conduzia o vaso, e como todas as mulheres: não têm o que querem e, quando têm, não têm certeza se é isso mesmo o que desejam; e quando têm tal certeza, já não sabem o que fazer com isto.
O asno não disse nada, naturalmente.

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