quinta-feira, 27 de agosto de 2009

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Da grande contradição. “[o Diabo] voou de novo ao céu, trêmulo de raiva, ansioso de conhecer a causa secreta de tão singular fenômeno. Deus ouviu-o com infinita complacência; não o interrompeu, não o repreendeu, não triunfou, sequer, daquela agonia satânica. Pôs os olhos nele, e disse-lhe: – Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? é a eterna contradição humana.” Trecho de “A igreja do diabo”, de Machado de Assis. Dentre outras, há, no conto, a idéia de que, para que os homens sobrevivam, é preciso que algo os desafie constantemente – para que desejem encontrar algum sentido nos tantos sem-sentidos do mundo. Se entre eles houvesse apenas o mal, então eles inventariam o bem, para que pudessem continuar existindo; mas isso de haver algum bem onde só há o mal é um grande contra-senso. É que o mal absoluto não tolera concorrência, mas – ao menos conceitualmente – depende dela. Havendo um bem, todavia, é diferente. Por quê? Porque o bem, justamente por ser o bem, pode suportar a existência – mesmo que temporária – de algum tipo de mal e, aí, nesse mal, ver algum bem. Se assim não fosse, como falar da fé em Deus, por exemplo? Explicá-la, pois, impossível. A postulação da idéia da existência de um mal absoluto é, nesses termos, auto-aniquilacionista, auto-contraditória. A do bem, pelo menos até onde isso pode ser pensado, não. O mal, sem os objetos aos quais possa administrar as suas maléficas maldades, é o mesmo que o bem. E se o mal castiga o mal, então ele faz o trabalho do bem; logo, age como se fosse o próprio – o que é uma clara contradição à sua condição. Já a idéia do bem, em seu sentido absoluto, escapa a qualquer juízo a posteriori; está para além de qualquer análise fundamentada na razão; e o mesmo vale para quem tem fé. É como dizia Kierkeggard: “A fé começa onde o pensamento termina”. Do mesmo modo são as coisas do amor romântico-ideal. Quem, em sua teimosa teimosia, crê na possibilidade de tal amor, perfeitinho, transpõe, em abissal salto ontológico, as barreiras das análises a posteriori (i.e. do real), e, como nas coisas da fé – em suas aporias e paradoxos mais profundos –, agarra-se a um apriorístico discurso. O sentimento, aqui, de nada vale. Mas, vejam só: é pelo sentimento que se morre; ou, antes, morre-se por essa idéia de amor, por esse engano que, crê-se, verdadeiro. Ninguém, no fundo, morre pela verdade. Os martírios, todos eles, não têm outro fundamento senão o sentimento e a dúvida; a grande dúvida. Essa é, queiram ou não, meus senhores e minhas senhoras, a eterna condição humana – ou sua eterna contradição.

4 comentários:

  1. Agradeço a Tela, Marta e Clarissa pelos comentários. Sempre bom ver que vocês se importam com o que escrevo, concordando ou não. Os próximos textos serão mais difíceis, mas tentarei dar-lhes alguma graça. Defendo uma tese aí (com eles), e por isso essa convicção que pode parecer fundamentalismos... não é; e é. Convicção sempre exige posições firmes; é o que faço, e assumo o meu preço. Beijo a todas. (P.M.)

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  2. Não apresentarei nenhuma antítese... ;-)
    Beijo.

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  3. Quem tem fé não pensa? dessa vez você embaralhou tanto os trecos do bau que não pôde trazer um de cada vez. Trouxe todos juntos, agarrados uns aos outros. Só deu pra vê a eterna condição humana e a sua contradição.kkkkkk

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  4. A fé, pensada, é o mesmo que filosofia. Mas, é? Indo mais fundo, é ciência; mas, é? A fé não precisa do pensamento, como os poemas não precisam de explicações. Teologia = teopoesia.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo