segunda-feira, 10 de agosto de 2009

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Do haver e da falta. O amor, às vezes, aparece nas horas mais inesperadas. Ele pode surgir para você até mesmo enquanto você estiver dormindo. Aquela garota ou aquele cara a quem você não dava a menor atenção aparece nos seus sonhos, fantasiado/a de estrelas, de mar, de paraíso; aureolado/a de idílicas delícias secretas, pedindo por descobrimentos. E, no outro dia, quando você menos percebe, aquelas oníricas imagens vêm todas de uma vez num flash-back atordoante e “bom”; e você, que não estava nem aí para “essas coisas”, sente falta do moço ou da moça que agora mora em seus sonhos, em sua fantasia; Cupido lhe flechou. E inesperadamente, numa espontaneidade magnética, você sente uma louca louca vontade de vê-lo, de vê-la. O amor age de modos vários, misteriosos, e quase sempre de modo irônico, inesperado. É que o amor não manda recados. E ele pode querer, mais que a tranqüilidade da planície e o cício suave do vento acariciando o cálamo, a calamidade, a fúria das ondas, os espasmos do trovão, a violência dos raios e a presença físico-material do alvo – pois, não tendo um corpo, precisa de um em que possa habitar, como um espírito desencarnado. Mas aí, realizando-se, abandona a casa à sua própria sorte, e parte em busca de outras habitações. É assim que a garota dos seus sonhos poderá ser, se você não aprender a parábola do Pequeno Príncipe e sua Rosa, a garota dos seus pesadelos. Marjorie, a outrora tão querida e amada mulher de Walter, personagens de Point counter point, de Aldous Huxley, agora era o objeto das suas mais tristes tristezas.

– Não vais voltar tarde? – Havia ansiedade na voz de Marjorie Carling, qualquer coisa que parecia uma súplica.
– Não, eu não voltarei tarde – respondeu Walter, com a certeza infeliz e criminosa de que não estava dizendo a verdade. A voz dela o aborrecia. Era um pouco arrastada, tinha um refinamento excessivo, mesmo na dor.
– Não passes da meia-noite.
Marjorie podia ter-lhe lembrado o tempo em que nunca saía à noite sem ela. Podia ter feito isso; mas não queria; era contra os seus princípios; não pretendia forçar de nenhum modo o amor de Walter.


Amor realizado é amor amordaçado; e a mordaça mata o sentido daquilo que, em sua antropomorfia própria, é dotado de grandes asas. Por que é que isso é ruim? Simples: porque quando o sonho vira realidade deixa de ser sonho, vira coisa concreta, sensível, longe da fantasia que é o seu alimento natural. O amor romântico alimenta-se de sonhos, e ai daquele que acorda. Encontrar um amor é achar-se desperto. O amor precisa tanto da fantasia quanto o ser humano precisa de água, de alimento e de oxigênio. Vai-se a fantasia e a esperança, fica o real e o desespero, desespero de nada mais esperar. Pode haver coisa mais sem graça? Pode haver coisa mais triste? O amor, meus caros, minhas caras, só existe enquanto falta.

4 comentários:

  1. Posso fazer uma pergunta?! Você lê Rita Apoena?! Teus títulos me fizeram pensar nisso! beijo ---> Izabel

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  2. Ah!... Vou falar do nada a ver e da falta dele... Ok?!

    Num dia desses, sonhei no maior "amor" com o Barack Obama. Uma "dilícia". Não caí da cama. Mas, acordei sem o Obama. E eu era "apenas" Michelle. Tive um dia muito mais feliz!

    Um beijo pra você!

    P.S.: "Love is real". ;-)

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  3. Não sei Pata,seja alimentado por fantasias ou não, vire real ou não,o amor é sempre uma emoção poderosa, e que preenche.
    bjin

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  4. Obrigado pelos comentários, Clarissa, Tela, Izabel. Sim, Bel, eu conheço a Rita Apoena, e acho bem bonito as coisas que elas escreve - mas soa doce demais pra ser verdade.

    ;)

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo