segunda-feira, 3 de agosto de 2009

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Da cegueira. Em Une vie – livro de Guy de Maupassant, escrito em 1883, e que é exemplo de realismo fantástico –, a meiguíssima Jeanne, sem suspeitar de que o seu marido, Julien – que era o sentido e a razão da sua vida –, andava lhe traindo com a mulher do conde de Fourville, de quem Jeanne pensava tratar-se apenas de “uma boa amizade a ser preservada”, decide seguir os cavalos que, mata adentro, levavam Julien e a mulher do conde a um certo local secreto em que os dois se encontravam. “Ao chegar junto ao pacientes animais, que ruminavam tristemente como habituados às longas paradas”, diz Maupassant, “Jeanne chamou pelos dois. Ninguém respondeu. Na relva, marcada pelos rastros, jaziam uma luva de mulher e dois rebenques. Tinham estado ali, portanto; e certamente se haviam afastado, deixando os cavalos no local. Esperou-os durante um quarto de hora, surpresa, sem poder atinar com o que eles estariam fazendo. Como saltara do cavalo e se deixara ficar imóvel, apoiada a um tronco, dois passarinhos, sem notarem a sua presença, vieram pousar-lhe bem junto aos pés. Saltitando um em torno do outro, de asas abertas e esvoaçantes, trocavam mútuas saudações, pipilando; de repente, o macho saltou sobre a fêmea num longo amplexo. Jeanne surpreendeu-se diante do que via, como se tudo isso fosse estranho para ela. Por fim, disse para si mesma: – Ah! Estamos na primavera!” O amor, em seu governo cruel sobre os cândidos e tolos, permite que eles vejam somente o que eles querem que seja visto. Ou, como todos dizem por aí - evidentemente sem as complexas “ornamentações” que parecem necessárias ao tema, e também sem a real compreensão do que realmente dizem –: “O amor é cego”. É que, a bem da verdade, e a título de precisão discursiva, o amor é que cega.

Um comentário:

  1. É lindo não ter que entrar em conflito com o que há de mais doloroso e assustador que existe em você e que pode existir nos outros...por que questionar, pensar, perceber os detalhes? Se o todo nos deixa aos cuidados da segurança, da passividade, no conforto do "está tudo bem"...o mais importante é "pertencer". Ninguém quer ser um "outsider". Não nos bastamos para aguentarmos a nossa companhia. Não existe momento para nos conhecermos melhor do que os momentos em que não podemos nos esconder de nós mesmos. Esses momentos que chamamos de solidão deveríam ser a nossa "pertença".

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo