sábado, 22 de agosto de 2009

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Do sentir. Na letra de “Gostosa”, música do Jorge Ben Jor, há o trecho: “Gostosa, ela é gostosa. O que está pegando é que ela mora muito longe...” Pois não é, para o amor, a distância, um enorme de um problema? Quem bem sabia disso era o Laércio, que morava longe, muito longe de Ana. Ele, em Aracajú; ela, em João Pessoa. De fato, geograficamente falando, não era tão longe; mas, para o corpo, para os desejos do corpo, era. Uma noite, quando conversavam ao telefone, ele disse, com um sorriso tão grande quanto o do gato na história da Alice, e como quem a confessar os sentimentos que tinha por Ana, e o que seria capaz de fazer por eles, por ela: “Ana, hoje comprei a passagem! Não vejo a hora de chegar aí pra poder te abraçar, te beijar... Como eu espero por isso!” Sim, ele estava bem entusiasmado. “Cara”, ela disse, com sua voz sem cor, “eu acho que não faria isso por ti”. Ela não mede mesmo as palavras, ele pensou. Em revelia, e rejeitando a frieza da namorada, atalhou: “Eu, sim, Ana; por você eu iria até o fim do mundo, se preciso fosse!” Laércio sabia do medo que ela tinha de alguém que a amasse tanto; sabia também que, numa relação, qualquer uma, um sempre se perde mais que o outro; sabia enfim que, quando ele próprio afirmava que iria até o fim do mundo por ela, na verdade, era por ele mesmo que faria tal coisa. O amor é sempre amor por algo, e esse algo sempre mora em nós mesmos. Como Édipo, é a nós mesmos que, no outro, como que em um espelho, contemplamos, ou procuramos para que possamos contemplar. Que tem haver o objeto amado com o amor? Nada. Tudo está em nós. Amar é “estar distraído”, como dizia Caeiro: “Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados / Como para os que não o são / Sentir é estar distraído”. Estar distraído é dizer que ama o outro, e não a si mesmo, somente. O amor é a loucura da razão, e, às vezes, a razão da loucura.

2 comentários:

  1. Patativa, vi uma ve num filme francês essa frase: "O sonho é a razão de um só. A realidade é a loucura de todos."
    Bjo, Barbara

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  2. Bárbara de Minas? Minha amiga flautista? Bem parecida a frase com a parte final do texto, não é? Um beijo, querida. (P.M.)

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo