quinta-feira, 6 de agosto de 2009

33
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Das nuvens. Havia algo de misterioso naquele olhar. Sim, havia. Ela não era sempre assim tão dispersa, tão outra.
- Tá tudo bem, Bia? - Perguntou, quase rindo ao vê-la disfarçar uma certa ansiedade que parecia vazar pelos seus poros, pelos seus olhos.
- Sim, sim! - ela disse. - Tá tudo mais do que bom.
Mas ela mentia; e ele sabia: não era só aquilo, havia algo mais. Já a conhecia o suficiente para saber quaundo ela queria lhe dizer algo, e quando estava escondendo alguma coisa.
- Fala de uma vez, Bia! Que é que tá pegando, hum? O que tu quer me dizer, hem?
- Ai... - ela quase não se continha, num misto de ansiedade e tensão, e fazendo cara de choro. - Eu tenho medo da tua reação, Pedro. Quer dizer: não sei se agora é o melhor momento pra isso...
- Ih, meu Deus! - ele disse, fitando-a com aquele olhar de "pode dizer o que quiser que eu agüento". - Isso o quê? Fala de uma vez, criatura! Fala! Não gosto desse suspense todo.
E ela falou, vomitando as palavras, com toda a urgência do mundo:
- Tô grávida, Pedro! É isso: tô grávida!
- Ah! Meu Deus! Sério? Meu Deus!
Ela começou a fungar, limpando o nariz choroso com a palma da mão, não querendo acreditar no que ouvira.
- Bem que eu não queria ter dito isso agora. Melhor ter te preparado antes e...
- Não, não, meu amor! Não é nada disso! É que eu esperava tudo; menos isso, mas...
E ambos ficaram em silêncio por um instante, até que Pedro disse, rindo, notando que ela o compreendera errado, e quase saltando de felicidade:
- Que coisa boa, Bia! Que coisa boa! Abraçou-a com força, espremendo-a contra si. Sim, estava feliz. Nunca pensara seriamente em ter um filho com Beatriz. Mas, agora, parecia que isso era a coisa que ele mais queria nesta vida, a coisa que mais desejava.
- De quantos meses?
- Acho que de um, um e meio... Não sei bem; vou ver isso direito - ela disse, já com um sorriso enorme no rosto, de um a outro canto das orelhas.
E eles se beijaram, fizeram mil planos para o bebê que seria o mais amado, o mais querido, o mais mais. Mas, como Shakespeare dizia, "há mais mistério entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia". E foi em um desses mistérios, dessas coisas que não se explicam, que Beatriz, meses depois, quando voltava da clínica olhando o resultado do pré-natal, não viu o Fusca prata que, em alta velocidade, não teve como frear. Não morreria no acidente, mas o bebê, sim. E desde então, Beatriz não consegue mais levar a vida que levava antes; não consegue se recuperar do impacto da dramática perda, prematura, abrupta. Na sua contabilidade sentimental, o tempo passa lento, arrastando-se. E dia após dia ela vai se distanciando da razão, perguntando a Pedro, a todo o tempo:
- Será que o bebê sofreu? Será que ele, se tivesse nascido, iria olhar pro céu, procurando bichos nas nuvens? Será que iria querer explicar todas as coisas do mundo, ou se contentaria em viver cada dia como um prêmio da natureza? Hem, Pedro? Me diz; me diz...
- Eu não sei, meu amor; eu não sei. Acho que as crianças de hoje não têm mais costume de fazer isso.
- Sabe – ela disse, filosofando, porque é a coisa que mais os loucos sabem fazer –, às vezes eu queria ser outra pessoa. Mas aí, penso assim: se eu fosse outra pessoa, ainda ia querer ser outra pessoa que desejaria ser ainda outra, sem conseguir nunca me livrar desse círculo de eterno retorno do mesmo; que nem um oroboro.
Pedro ficou em silencio, avaliando o que ela dizia, e com a imagem de uma serpente engolindo-se a si mesma, e de um cão que perseguia a sua própria cauda...
- Pedro.
- Oi.
- Se o nosso bebê tivesse nascido a gente ia ter que botar umas redes nas janelas, não era? Olha só: sétimo andar... Vai que a gente deixava a janela aberta e o bebê, vendo os bichinhos nas nuvens...
- É... - Pedro concordava com tudo o que Betariz dizia, seguindo à risca as recomendações do psiquiatra -; a gente ia ter que botar umas redes nas janelas.

3 comentários:

  1. Presente!... Só pra isso mesmo.
    Hoje, prefiro não comentar essa (in)felicidade...

    Um beijo GG do M pro P.

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  2. Muito bem escrito,mas sei lá hehe ando querendo finais felizes hehe por isso fiquei esperando por um nessa historia!hehe Bobinha eu!Mas bem escrito viu,parabéns! =)

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  3. Clarissa, acredito, como Hegel, que as páginas felizes da História são as que ficam em branco. :) Obrigado pelo comentário. Obrigado também a Tela, Mônica e Cybelle. Beijo pra todas! P.M.

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