sábado, 2 de janeiro de 2010

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Do egoísmo altruísta. ALFREDO: Meu Deus! Meus Deus! Como faço pra terminar o meu namoro com a Alice? Tenho tanto medo de fazê-la sofrer e...
RAZÃO: Ah, Alfredo; cala essa tua boca! Tu tem medo é de tu mesmo sofrer com o sofrimento dela. Tsc, tsc, tsc... (A razão, quando berra em nosso interior, não considera regras gramaticais, nem modelos estilísticos, nem nada).
ALFREDO: Eita! Bem pensado! Parece que tenho que confessar que é isso mesmo.
RAZÃO: Claro que é, sujeito! Tu acha que ela gostaria de saber que tu tá com ela hoje só porque não sabe como pôr fim a isso por... “por pena”? Gostaria? E, sendo pena, pena de quem, hum?
ALFREDO: Caralho! Gostaria nada! Como eu também não gostaria. Isso é até... isso é até...
RAZÃO: Sacanagem, Alfredo! A palavra certa é sacanagem, sacanagem sua!
ALFREDO: Mas, e se no lugar de “sacanagem” a gente pensasse num altruísmo sentimen...

Nessa hora Alice ligou para Alfredo, e eles foram ver um filme do Almodovar que ela havia comprado nas Lojas Americanas, por R$ 12,90; e ficou tudo por isso mesmo.
Quem me contou a história foi o próprio Alfredo, mergulhado em mil interrogações, me pedindo conselhos. E eu só soube dizer: “O que tu quer que eu diga, meu? Ouça a voz da sua razão”. E me lembrei das passagens finais do Diário de um sedutor, quando Kierkegaard, como Johannes, faz suas últimas considerações sobre o fim do seu noivado com Cordélia: “Amei-a, mas de agora em diante não pode já interessar-me. Se eu fosse um deus faria aquilo que Netuno fez por uma ninfa, transformá-la-ia em homem”; e da pergunta que, inspirado em Santo Agostinho, fizera antes: “Que ama o amor? o infinito. - Que teme o amor? limites.” Se o amor é primavera, o seu limite é o inverno. Mas só pensamos, depois das flores, no verão em suas múltiplas cores: “A primavera”, diz Kierkegaard, “é sem dúvida a mais bela época do ano para se ficar apaixonado - e o fim do verão a mais bela para se alcançar a finalidade dos desejos”. Alcançar a finalidade dos desejos... É o sexo; o sexo e sua repetição. Depois disso - disso Alfredo era modelo e exemplo - é o tédio. Inverno da alma.

4 comentários:

  1. Muito, muito bom o texto. kkk É isso mesmo. Alfredo me lembrou o irmão de uma amiga minha, muito amigo e querido, que sempre nos dizia, que a coisa que homem tem mais medo nesse mundo é de ver mulher chorando, por isso são incapazes de dar um ponto final num relacionamento por mais que desejem isso. Eles preferem a covardia de arrastar o cadáver de uma relação à terminá-la.

    Essa covardia masculina, normalmente acaba com tudo. Em geral, um romance que poderia terminar "inteiro", digo, pronto para se transformar numa relação de amizade sólida pra vida inteira, acaba cheio de dor e amargura. Comumente os homens preferem o ódio às lágrimas, mas talvez o que o Alfredo não saiba é que para chegar ao ódio, será preciso derramar litros e litros de lágrimas...

    Coisa feia, Alfredo!

    Beijos! Sua flor? Tô regando...

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  2. Que texto maravilhoso e tão natural! admiro a tua facilidade com as palavras e a maneira como as coisas aparecem vivas nas cenas.

    Beijos.
    Maria Eduardah :o)

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  3. É poeta...e você no lugar do Alfredo, como agiria?
    Chamo esse "empurrando com a barriga" de covardia masculina.
    O tempo vai passando e vai se perdendo oportunidades(?) de viver momentos felizes, com outra pessoa, por puro acomodamento.
    Homens...não queremos piedade, compaixão; queremos e precisamos só de amor e respeito aos nossos sentimentos.

    Beijo

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  4. Queridas Letra e Maria Eduardah, obrigado pelos comentários! / Querida pessoa desconhecida, isso aqui, acima de tudo, não é um livro de confissões - a minha ingenuidade (e exposição) não vai tão longe. De todo modo, obrigado por questionar. Não quero e não pretendo ser um doutrinador, nem um profeta, nem um visionário, nem... é isso aí. Obrigado a todos e todas; beijos e abraços fartos.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo