domingo, 10 de janeiro de 2010

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Das irrelevâncias e dos best-sellers. Quase morro de rir lendo Amor, primeiro livro do ítalo-americano e cultuado Leo Buscaglia, publicado em 1972. Buscaglia foi professor na University of Southern California, nos EUA. Aí, ministrou por algum tempo uma disciplina que chamou de “Amor, 1 A”: “Ao que eu saiba,” ele dizia, “somos a única escola do país, e talvez no mundo, que tem uma disciplina chamada ‘Amor, 1 A’, e eu o único professor bastante louco a ponto de ensiná-la.” De fato, e quanto à loucura auto-proclamada, há quem diga que Buscaglia foi inovador em alguns aspectos – como, por exemplo, sua maneira de exaltar o momento que se vive, de modo intenso, expressando o amor que se sente por alguém, mas sem criar expectativas. Algo muito semelhante àquilo que, no final de Bilhete, poema do Mario Quintana - no livro Esconderijos do tempo, de 1980 -, lemos: “Se me queres, / enfim, / tem de ser bem devagarinho, Amada, / que a vida é breve, e o amor mais breve ainda.” Depois da publicação e do sucesso comercial de Amor, de Buscaglia, seguiu-se uma onda de obras de “auto-ajuda”. Diversos autores em diversos países, todos copiavam e imitavam o estilo do precursor. Esse, por alguma estranha e irônica coincidência, aos 74 anos, no dia 12 de junho de 1998 - Dia dos Namorados, no Brasil -, em sua casa no lago Tahoe, California, foi vitimado por ataque cardíaco enquanto dormia. A tradição de “auto-ajuda” que a obra de Buscaglia representou como pontapé, não foi – e nem é – mais que “mais do mesmo”; e mesmo a tal “inovação” não é mais do que o que já se disse, mas dito de um outro modo. A falácia continua aí, lá, disfarçada nas palavras bem postas, uma após outra, num texto costurado para encantar os olhos, inibir o sentido crítico e manter o leitor, bêbado, ainda mais bêbado. Sim, do Amor de Buscaglia e dos tantos outros derivados de seus imitadores, ávidos por um sucesso editorial, é para rir mesmo, e olhar de soslaio, atravessado.
Das muitas e hilariantes piadas encontradas na obra, menciono uma: “Assim como um homem aprende a ser humano, também aprende a sentir como um ser humano, a amar como um ser humano”. Puerilidade das mais falaciosas! Não se pode relacionar a questão do amor aparte da humanização (sociabilização) dos humanos. Tais sentimentos são, naturalmente, apanágios dessa/nessa formação do fenômeno humano no ser humano. Uma coisa é parte da outra - e não exatamente nesta ordem -, não como o todo ou a parte, separados, mas tudo ao mesmo tempo. Amar não é algo que se aprenda; do mesmo modo é o viver, o ser humano. Para amar, basta existir e (re)conhecer a existência do Outro. Tal conhecimento é o atestando natural/racional de si como coisa que é, pensante (res cogitans), num espaço material (res extensa) onde me torno possível. Eu existo – Agostinho de Hipona e René Descartes concordariam comigo -, eu amo. Acontece que, não havendo outro amor – deixando de fora, aqui, o [ou a idéia de] “Amor perfeito” (acepção platônica que Buscaglia defende e acredita como possível), do qual só podemos falar de uma perspectiva ontológica, sempre a priori –, o amor que há é tão natural no ser humano quanto a sua noção de andar para a frente, comer com a boca, respirar com o nariz, ver com os olhos. A analogia dos sentidos é legítima. Não se aprende a fazer nada disso, pois que, isso, na estrutura psico-biológica dos indivíduos, faz parte do pacote chamado “existência”, entregue a cada um, a cada um que é, neste mundo, lançado, jogado aí com o Outro - espelho seu. No limite da inautenticidade, cada um é esse Outro e, assim, si mesmo. É nesse sentido que Heidegger, por exemplo, escreve a palavra ek-sistência, acentuando sua força fenomenológico-transcendental. Ser, estar no mundo, é, por assim dizer, encontrar-se investido de tudo o que caracteriza o que se é. Aprender regras gerais de convívio, ou regras morais, éticas, faz parte de uma estrutura já montada, mais pela cultura do que por qualquer outra coisa. Aprender a andar para frente, como o aprender a amar, convenhamos, são lições desnecessárias. Mais que aprender a amar, há que se aprender sobre o amor. Best-sellers, desconfie deles!

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo