segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

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Do amor que “fica” e do outro, que não. O final do capítulo 13 da primeira carta de são Paulo Aos coríntios termina com o anúncio daquilo que, na ortodoxia da Igreja Católica, convencionou-se chamar de “três virtudes teologais”, a saber: a fé, a esperança e o amor. Algo muito similar ao que André Comte-Sponville, no A felicidade, desesperadamente (2001), diz em relação ao desejo: “O desejo é a própria essência do homem; mas há três maneiras principais de desejar, três ocorrências principais do desejo: o amor, a vontade, a esperança.” O amor, nos discursos, é sempre primeiro – na sua acepção material ou metafísico-conceitual. O amor teologal (ágape) – que não é, evidentemente, esse mesmo do desejo (que é carnal) que Comte-Sponville fala, é, assim, o maior de todos, segundo o Apóstolo. Ele, após um longo discurso sobre esse amor que “não busca os seus próprios interesses”, termina dizendo que ele, e somente ele, na eternidade, permanecerá. À eternidade de tudo se põe e impõe o discurso final, finalíssimo: “Quando vier o que é perfeito [o amor desesperado], o que é em parte [a esperança do/no amor] será aniquilado”. Daí, na desesperança, habitar o seu valor maior, teleológico, escatológico. Daí também santo Agostinho, nos Solilóquios (escrito em 386), perguntar: Isso implica dizer que não há (não é preciso) nem a fé e nem a esperança no Reino de Deus, na eternidade? A resposta, enfática, é: sim! Ora, no paraíso, com Deus, já não será mais preciso crer nele – pois como alguém pode crer na existência daquilo que já vê, que já tem /ali? O autor da carta Aos hebreus, que Agostinho acreditava tratar-se do apóstolo Paulo, diz que a fé é “a certeza das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se vêem”. Realizada a fé como, no platonismo, realizado o amor, que é dele? É por isso George Bernard Shaw dizia haver “duas catástrofes na existência: a primeira é quando nossos desejos não são satisfeitos; a segunda é quando são”. Também no capítulo 8 da carta Aos romanos, o Apóstolo pergunta: “Quem espera por algo que já tem?” A presença do objeto da fé retira de si a necessidade da fé. Isso é platonismo, e cristianismo também. Assim, e no mais perfeito que o amor romântico pode chegar, “todo casal feliz é uma recusa do platonismo”, diz Comte-Sponville. E isso é assim porque a esperança que se tinha, atrelada à fé, dizia respeito ao encontro com o seu objeto mesmo: Deus, o seu Reino. E é assim que, tanto a fé quanto a esperança, ao lado de Deus, são virtudes desprovidas de sentido. Não há mais nada a crer, nada a esperar; é a total desesperança. Só há o amor, que nada espera, mas é, somente é sendo, e sendo pela eterna eternidade. No Reino, por fim, não há nada mais que o amor desesperado, completa e absolutamente desesperado. Tomás de Aquino, oito séculos depois, na Suma teológica, retomando o caso das três virtudes teologais, dirá o mesmo que o Hiponense: que no Reino não haverá nem fé e nem esperança, só o amor. O Aquinate, no entanto, vai mais longe. Diz que Cristo, conforme o raciocínio aqui já exposto, “nunca teve fé nem esperança”, uma vez que Ele mesmo sabia-se Deus – e Deus não precisa ter fé em si mesmo, esperar por um encontro consigo mesmo e, assim, tudo o mais que daí decorre. O que ele tinha e que nós devemos imitar, diz Tomás de Aquino, era “uma caridade perfeita”. Mas a fé e a esperança que os cristãos têm não são, evidentemente, a mesma fé e a mesma esperança que acreditam ver e imitar no/do Cristo. Talvez não seja uma heresia dizer que a “fé de Cristo” no Cristo, por assim dizer, assemelhe-se mais àquela fé que têm os que não têm fé e, dela/dEle, não duvidam: os agnósticos; e a “sua esperança” (a “esperança do Cristo” no Cristo), por semelhante modo, seja a dos desesperados; aquela que o francês Nicolas de Chamfort (pseudônimo de Sébastien Roch Nicolas) disse, caso mal entendida/utilizada, “não passar de um charlatão que nos engana sem cessar; e, para mim, a felicidade só começou quando eu a perdi”. E Chamfort continua: “Eu colocaria de bom grado na porta do paraíso o verso que Dante colocou na porta do inferno: Abandonai toda a esperança, vós que entrais!” É o mesmo sentido que Mircea Eliade, numa citação que faz do Samkhya-Sutra, que por sua vez cita o Mahabharata, dá: “Só é feliz quem perdeu toda esperança; porque a esperança é a maior tortura que há, e o desespero, a maior felicidade”. Pierre-Jules Renard, escritor francês, por fim, afirma no seu Journal (1895): “Nada desejo do passado. Já não conto com o futuro. O presente me basta. Sou um homem feliz porque renunciei à felicidade.” Jules Renard, completo desesperado! Quem espera um grande amor, um perfeito amor, sofre na espera; encontro marcado, é feliz na/pela expectativa, mas, por ela, também sofre; tudo realizado, o que há? Desespero. Nesse caso, mais sofrimento, e tédio – porque o amor perfeito, platonismo a parte, não existe... É o pêndulo de Schopenhauer. Do mesmo modo: se o Senhor já conhece tudo na sua onipotência, então Ele não tem nenhuma esperança; nenhuma expectativa, não espera mais nada, e nada é ou pode ser novo para Ele. Sofrer por amor, é possível sem quer a morte; mas, ah!, somente Deus suporta ser Deus.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo