domingo, 24 de janeiro de 2010

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Da personificação dialógica. Maria Helena, ontem, me confidenciou, entre o riso e a frustração: “Ai, ai, Pato! Um dia o Amor bateu à minha porta! Mas eu disse que ele fosse embora, pois que me ocupava com os pratos da cozinha, e com o pó do móvel da sala. E ele foi. E eu fiquei a espanar a casa. Guardei os livros espalhados pela escrivaninha na estante: os da Adélia num canto, os do Quintana em outro, os do Alain de Botton, noutro; e assim foi até que tudo ficasse em seu lugar. Horas depois, o susto! Quando dei por mim, limpando os vidros da janela, vi o Amor dormindo na soleira da porta, aproveitando-se do tapete onde se lia: bem-vindo. Ele, sonolento, nem percebeu o meu cuidado em não despertá-lo. Enfiei-me casa adentro, pé ante pé. Hoje, mais disposta a ouvi-lo, sol entrando pela janela e passarinhos cantando, vou até a calçada e estico o olho até fim da rua, pra acima e pra abaixo. Mas o infeliz desistiu da minha casa. E quando passa por mim, nesses acasos do supermercado, da feira, nem me olha, ou finge que não me vê. ‘Danado!’, pensei um dia desses, com vontade de bater com a panela em sua cabeça.” E eu lhe disse, como se muito soubesse da tal matéria: “O amor tem dessas coisas, Helena. Dissimulado, também é inesperado como uma visita ruim, uma dor de barriga. Lição nº 1: se você não se deixar tocar pelo Amor, no inesperado momento, ele fugirá de você, no seu momento esperado. Lição nº 2: o Amor, coisa mais normal desse mundo, é cheio de contratempos, de contradições.” E Helena me disse, com seu olhar de desconfiança: “Eu não acredito em nada disso que tu escreve, Pato; e que diz que vai publicar num livro.”

Um comentário:

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