domingo, 31 de janeiro de 2010

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Do tempo e da medicina. Em O livro dos abraços, de 1989, no texto que chama de “O diagnóstico e a terapêutica”, Eduardo Galeano diz que “o amor é uma das doenças mais bravas e contagiosas. Qualquer um reconhece os doentes dessa doença. Fundas olheiras delatam que jamais dormimos, despertos noite após noite pelos abraços, ou pela ausência de abraços, e padecemos febres devastadoras e sentimos uma irresistível necessidade de dizer estupidezes”. Sintomas, de fato, terríveis. Da doença e da sua cura, noutro texto, já tratamos. Mas não custa notar por outra fonte – que não o livro de Ovídeo, somente - que o “estar doente de amor” e o “dizer estupidezes” têm cura. Mas, quem quer, realmente, ser curado de tal “mau”? Aliás, há uma procura constante por esse sofrimento. E é assim porque, senão, o que não ama, o “são”, dá-se por si como morto. E Galeano sabe tanto disso que, no texto imediatamente anterior, o “A noite/1”, dizia: “Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre as minhas pálpebras. Se eu pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta.” Ora, o que vem a ser isso senão o diagnóstico da causa da doença amorosa, das fundas olheiras, et cetera? Uma mulher: uma mulher atravessada entre as pálpebras, e também na garganta. O olhar do apaixonado pertence ao seu objeto, só a ele/ela enxerga; sua fala somente quer dizer o seu nome, entre suspiros. Sim, Maria Helena; eu sei que é inevitável que, como quem apanha uma chuva e um resfriado, um dia o amor desabe sobre qualquer um, quando distraído, andando em direção ao carro no estacionamento, pensando na conta de luz que tem de pagar no dia seguinte. “O amor pode ser provocado deixando cair um punhadinho de pó-de-me-ame, como por descuido, no café ou na sopa ou na bebida. Pode ser provocado, mas não pode ser impedido. Não o impede nem a água benta, nem o pó de hóstia; tampouco o dente de alho, que nesse caso não serve para nada. O amor é surdo frente ao Verbo divino e ao esconjuro das bruxas. Não há decreto de governo que possa com ele, nem poção capaz de evitá-lo, embora as vivandeiras apregoem, nos mercados, infalíveis beberagens com garantia e tudo.” Sabe aqueles anúncios da Mãe Diná e da Mãe Delamare, Helena? Aqueles que você recebe na lagoa ou vê colados nos postes da Epitácio, de Bancários, de Mangabeira e por todos os cantos de João Pessoa... Aquilo não serve pra nada! Nem contra e nem a favor. “Traz a pessoa amada rápido, afasta rivais, fracassos...” Tsc! Traz nada! Afasta nada! Do mesmo jeito que o amor é uma doença e as pessoas o procuram, assim também é a cura do amor; mas essa só vem após a frustração de notar que nunca há, nunca mesmo, a “mesma medida” de amar, ou de amar sem medidas. Tal cura, ao menos temporariamente, somente o tempo (que é veneno e antídoto) pode resolver, dissolvendo a memória no rio do ontem, ou alimentando aquele ódio que se acompanha (ou faz seguir-se) do desprezo e do olhar de soslaio, atravessado contra o objeto antes amado, aplaudido... Puro orgulho! Puro orgulho! É o amour de soi falando mais alto do que sempre. Uma amiga me disse, outro dia, repetindo o que uma amiga dela lhe havia dito: “Para curar um amor platônico, somente uma trepada homérica”. Vai saber! Seja como for, tal receita, caseira, não destoa tanto daquela que o Tom Jobim ensina na letra de “Caminhos cruzados”: “Quando um coração que está cansado de sofrer / Encontra um coração também cansado de sofrer / É tempo de se pensar / Que o amor pode de repente chegar.” Mas a melhor receita mesmo, a melhor de todas, é essa do tempo. Ele é, afinal, o melhor remédio. Le temps detruit tout; é o que vemos no final de Irreversible (2002), escrito e dirigido pelo franco-argentino Gaspar Noé. Sim!, ele tanto destrói a tristeza de um amor perdido quanto a alegria de um amor encontrado. “O tempo a tudo destrói.”

4 comentários:

  1. esse filme é peso, mas parece que a vida é assim mesmo. Gostei do blog!!

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  2. Há um ano, um câncer como esse corrói meu peito. E a cura eu ainda espero. O tempo passa e eu espero...

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  3. Sabe, que inúmeras idéias, sentimentos, vontades cruzaram minha mente enquando lia teu texto.
    Queria ver-me, nas ruas de João Pessoa,como a Helena lendo os anúncios da mãe diná.
    Não acreditaria neles. Acreditaria que a solução, não a cura, para o meu amor, seria encontrá-lo de repente na rua, com cara de anúncio, ofertando sem promoção os seus mimos, só pra mim.
    Ah, o tempo. O que me trouxe de volta, e o levou para longe, resolveria o problema, se não tivesse cismado em acreditar, que o seu emissário, o destino, se encarregaria de juntar-me ao alvo platônico do meu amor, mais uma vez.

    Amei o texto, como sempre. Suas reflexões são incríveis, e esta, em especial, por remeter-me a um lugar tão amado por mim, ou talvez, ao amado do lugar.

    abraço.

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  4. Gostei visse,desse?Gostei muito das citações que permearam o texto.Hômi,do amor a gente não foge é nunca,pq seria como fugir de nós mesmos e aí complicaria logo tudo!hehe
    bjo!

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo