sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

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Das perguntas essenciais sobre o amor e sobre o sofrimento por amor. Na filosofia, ter uma boa questão é melhor do que ter uma resposta insatisfatória. “Por que nós, seres racionais, padecemos, vez por outra, dessas inquietações da alma? Por que sofremos por aquilo que era a promessa de felicidade infinita? Por que continuamos a ter tais sentimentos quando já sabemos que promessa de prazer trará apenas a certeza da dor? Por que entre a dor e o nada, preferimos a dor?” Essas são algumas perguntas que Maria de Lourdes Alves Borges, em seu livrinho Amor, de 2004, propõe como eixo temático para o que vem depois, a saber: suas considerações sobre o amor, sobre os amores e o sofrer o/por amor. São perguntas superficiais, embora pareçam requerer, nas respostas, alguma profundidade. São perguntas, por fim, e ainda – e infelizmente (porque isso faz o livro ser só mais do mesmo, mais um dentre tantos, repetição de superfície) –, fincadas no Romantismo, no Idealismo que vê o mundo e o amor romântico como uma “coisa misteriosa”, mágica, encantada, metafísica. Talvez não seja pedantismo dizer que tais respostas, que me parecem bem óbvias e evidentes, já foram dadas aqui, de muitas e variadas maneiras. E talvez possamos resumir tudo o que Maria de Lourdes coloca como “questão”, numa outra citação, óbvia, porém não tão superficial. É do filósofo francês Claude Adrien Helvétius: “O amor é a base, a essência e a finalidade da existência”. De fato! Imagine se houvesse uma greve do Amor, como aquela da Morte no livro de Saramago, As intermitências da morte, de 2005. Imagine se, ao invés do trecho: “No dia seguinte ninguém morreu”, constasse: “No dia seguinte ninguém amou”. O que viria depois caberia perfeitamente, num ou noutro sentido: “O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme”. Sem “amor”, seria a extinção das espécies, o suicídio coletivo – o fim de todos os problemas dos homens, incluindo os próprios. Seria também, assim, o paraíso conquistado mediante um inferno temporário, evidentemente. O que, sendo bom, não tem seu preço? Deveríamos, penso, dar mais atenção à máxima do francês de Aix-en-Provence, Vauvenargues: “A mais falsa das filosofias é aquela que, a pretexto de libertar os homens das dificuldades das paixões, lhes aconselha o ócio, o descuido e o auto-esquecimento.” Não é o que fazem os estóicos? Não é o que o Idealismo romântico tão cultuado por Maria de Lourdes também ensina? O amour de soi é aviltado pela moral cristã como se fosse uma “doença do espírito”, uma “deficiência moral”. Mas, a isso também Vauvenargues afirma, contrariamente: “Não existe contradição na natureza.” E diz mais, questionando: “Será contrário à razão ou à justiça amar a si mesmo? E por que desejamos que o amor-próprio tenha de ser sempre um vício? Se existe um amor por nós mesmos naturalmente solícito e compassivo, e outro amor-próprio sem humildade, sem equidade, sem limites, sem razão, será preciso confundi-los?” Nós queremos viver e, como atores no grande teatro do mundo, queremos cumprir o papel que nos deram, sem mostrar, porém, as razões das “nossas” falas. Não pensamos comumente que esta vida, este querer viver de acordo seja uma imposição, mais que da cultura, da Vontade. Sim! Mesmo o suicida não faz mais do que cumprir a função do suicida, demonstrando aí a sua grande vontade de vida, de vida total. Vivendo-se, ama-se; matando-se, ama-se muito mais. Para amar, basta viver; estamos condenados a isso. O amour de soi, contra o qual lutamos – ou, melhor, pensamos lutar – para cumprir nosso papel de bons cristãos, por fim, está mais vivo e presente no que ama do que naquele que, distraído do mundo, dá-se indiferente, como quem dorme. O bom cristão, por esse viés, é o mais egoísta dos indivíduos: por tanto amar ao outro, mostra o tanto que a si mesmo se ama. “Ninguém a outro ama, senão que ama / O que de si há nele, ou que é suposto”, diz Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa. A mais perfeita religião, hoje, é, certamente, aquela que cultua, sobre todos os deuses, o Respeito. Da teologia desse (ou sobre esse) novíssimo deus, livros e teses já foram e estão sendo escritas. A título de resumo, vale outro poema de Pessoa, agora como Alberto Caeiro. Trata-se de um trecho de O guardador de rebanhos (escrito entre 1911 e 1912): “Que me importam a mim os homens / E o que sofrem ou supõem que sofrem? / Sejam como eu – não sofrerão. / Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros, / Quer para fazer o bem, quer para fazer o mal. / A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos. / Querer mais é perder isto, e ser infeliz.” O meu “cuidado” com o outro, é, enfim, o meu cuidado comigo mesmo. No final, tudo volta para mim, porque, daí (ou daqui), nunca saiu. Por que, então, falamos tão mal desse egoísmo inevitável? Por que, por fim, não assumimos o amour de soi como verbo de todas as nossas ações? Maria de Lourdes fala de modo romântico; Helvétius também. Os dois não ousam romper o fio que separa o ideal do concreto, e pensam no Outro como objeto a ser amado e, mediante esse/o amor/amar, a possibilidade transcendente da felicidade, e da libertação dessa deficiência ético-moral chamada amour de soi. Mantêm-se assim na tradição disciplinar que transubstancia a Vontade, elevando-a (ou querendo elevá-la) ao nível de reflexo de alguma “coisa” divina, supralunar, fonte de tal beatitude. Nos amores mundanos, o engano (para Maria de Lourdes, Helvétius e outros) é dor; já o saber (que conduz à verdade que é, por sua vez, reflexo do verdadeiro amor, extramundano), a entrega e a confiança, são vias de uma “alegria” e uma “libertação”. Não são! A verdade é que a Verdade também é dor, prisão, sofrimento – mesmo que nunca saibamos o que seja isso mesmo: a Verdade. Que se conclui? (como se fosse preciso concluir...): que o sofrimento, como o amor (ou com o amor) e a ignorância, é uma dádiva universal.

Um comentário:

  1. Qual a vantagem de tanto pessimismo, filòsofo? o que isso faz de melhor pra vida da gente, seus miseráveis leitores? ;)

    J.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo