quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

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Dos contrastes e mal-entendidos. “Foi tudo um mal-entendido. Não me leve assim tão a sério!” Não adiantou; não naquela noite. “Carlos”, ela diria depois à sua melhor amiga, “fez de uma vela acesa um incêndio inteiro”; que é um equivalente à tempestade em copo d’água, outro ditado. Dá no mesmo. O amor romântico, como se tivesse personalidade, tem disso também: aproveitador das situações, basta uma palavra para que a casa toda pegue fogo... e nunca há quem o apague. Logo no início do filme Love & sex (2000), escrito e dirigido pela americana Valerie Breiman (em 2001, no Brasil, Love & sex estreou como “Amor aos pedaços”), há uma citação, de fundo, que alerta o espectador: “O amor é um campo minado, basta um passo em falso e nós despedaçamos...” O que vem depois, justifica a citação. Love & sex, convém que se diga, foi baseado numa página pessoal da vida amorosa de Breiman. Camões, no seu mais famoso soneto – que plagia versos do italiano Francesco Petrarca –, define o amor romântico com/como uma somatória de contrastes; como o fogo que, para se alimentar, destrói-se, consumindo a si mesmo e ao seu objeto:

Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?


Ora, que é que o fogo mais sabe fazer? Mas há quem diga que “só o amor constrói”. Sim; pode até ser. Frases feitas têm, às vezes, suas utilidades, suas verdades. Depois de um grande incêndio a terra se renova, ganha nutrientes. Um campo incendiado, outrora morto, húmus adormecido pelos anos da mesmíssima utilização, ganha novo vigor, novas forças. O resultado são os brotos verdinhos que surgem onde antes só haviam velhas árvores enrugadas e encurvadas pela ação do tempo. Mas “tão contrário a si é o mesmo amor”. Pois não é? Ao mesmo tempo em que ele destrói uma coisa, constrói outra – ou será que é o contrário? Certo mesmo é que há de haver, sempre onde houver o amor romântico, incêndios, mal-entendidos. Pois cada um, que acredita amar o Outro - amando-se a si mesmo, porém -, vai confrontá-lo, devorando-o e sendo devorado. Um amor romântico contrário a isso é o mesmo que incesto; o que depõe contra sua própria substância. Paixão: instinto domado, maquiado; amor: fogo em um campo aberto!

2 comentários:

  1. Há uma certa relação entre o fogo do amor e o fogo das queimadas. As queimadas como as paixões trazem prejuízos irreparáveis. Está provado que as queimadas são as causas da perda da biodiversidade, empobrecimento do solo quanto aos nutrientes além de poluir o ar. O amor paixão que arde como fogo tambem causa perdas ao organismo do incendiário e do outro motivo do incêndio, empobrece a relação partindo laços que jamais voltarão ao que eram antes, além de poluir os relacionamentos e as amizades que estão ao redor dos dois. Ah! o fogo da paixão! Camões, Camões que inspiração!!!

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  2. Texto na Isto É Independente, sobre "9 mitos sobre o amor":
    http://www.istoe.com.br/reportagens/44777_9+MITOS+SOBRE+O+AMOR?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo