terça-feira, 8 de dezembro de 2009

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Da perfeição e do seu preço. “Aquele que não ama, permanece na morte”, está escrito na primeira Epístola de são João. Qualquer hermenêutica, mesmo a menos exigente, entende que o santo fala daquele amor que, vindo da parte de Deus e tendo sua representação maior na pessoa e morte do Cristo crucificado, trata da reconciliação do pecador com Deus, por meio da graça. Daí, logo depois, ele também dizer que “nós o amamos porque ele nos amou primeiro”. Esse amor que é, evidentemente, o amor ágape, perfeito, exige perfeições: “Nisto é aperfeiçoado em nós o amor, para que no dia do juízo tenhamos confiança; porque, qual ele é, somos também nós neste mundo. No amor não há medo. Antes o perfeito amor lança fora o medo, porque o medo produz tormento. Aquele que teme não é aperfeiçoado em amor”. Ora, esse amor de “perfeição”, de nossa parte, é tão verdadeiro quanto a afirmação anterior do escritor sagrado: “Aquele que é nascido de Deus não peca...” Tudo bem que o “não peca”, aí, diferentemente da heresia que foi a Doutrina do Perfeccionismo (Doctrine of Perfectionism, ou Doctrine of Christian Perfection) - ensinada pelo anglicano (depois metodista) John Wesley que, depois, caindo em si, abandonou-a -, tem haver com os atos pecaminosos, aqueles que viram hábitos e descaracterizam a natureza do cristão, do ser cristão. Ora, o ato pecaminoso - a falha moral, de caráter - é o que mais caracteriza a natureza humana. O cristão, portanto, deve abandonar a sua humanidade se quiser ser um autêntico cristão. É uma exigência tão desumana (literalmente) que nem Hércules se habilitaria, ou os santos pretensos. Como alguém poderia beber toda a água do oceano? Como poderia comer os horizontes? O próprio nome, pejorativo, denuncia a sua natureza imitativa, simulacra de uma realidade que só existiu em seu mentor, e que depois, com ele, foi crucificada. Na verdade, levado ao pé da letra, e para efeito de analogia, é tão possível que o homem não ame quanto não peque, e ambos de modo perfeito – porque essa perfeição é própria de sua natureza. Amor (Vontade) e pecado (desvio moral) são faces de uma mesma moeda: a natureza humana. Não são, porém, essentes do/no homem, mas a tudo o que é vivo e que pensa – e por isso que, no homem, aparecem de modo mais evidente, inerente, dramático. João fala do amor ideal (ágape, agapan) como “modelo” para o amor real (stergein – que nós confundimos hora com eros, eran, hora com philia, philein), tentando aperfeiçoar esses em relação àquele, aproximando-os, mensurando-os, corrigindo-os. É uma empresa vã – enquanto verdade objetiva –, fadada a toda sorte de confusões conceituais, como quando se toma a sombra como objeto (causa), e seu objeto como conseqüência (efeito). João está de cabeça para baixo. O amor, aos homens – não esse “ideal”, porque também desconhecido, subjetivo, dado às ponderações metafísicas -, não é uma opção; é, antes, uma condição (ou imposição) físio-químico-biológica. Não é o amor da Adélia que, teologando, diz: “Habito nele [no éter], quando os desejos do corpo , / a metafísica, exclamam: / como és bonito!” É, antes, o amor que os gatos de Burroughs tinham por ele, que reconhecia, vencido: “O amor não é de graça. Como todas as criaturas puras, os gatos são pragmáticos”. Palavras bonitas enchem os nossos olhos, os nossos livros e os nossos corações, mas o essencial cabe e se resume em uma só palavra, que pode ser escrita em paredes de banheiros ou guardanapos de papel, nada sagrados: viver. O resto são enfeites, floreios.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo