quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

2

.
Do amor ao conhecimento. Há duas seções de Aurora (escrito entre 1880 e 81) em que Nietzsche, já dando claros sinais de seu desapego por Schopenhauer e Wagner - que tanto o influenciaram no passado –, enfatiza uma força motriz que, no humano e em comparação à Vontade, impulsiona-o para o progresso, mesmo quando este ou esta “força” o torna mais infeliz, sacrificando-o. Trata-se da “paixão do conhecimento”, como pode ser visto nas seções 45 e 429 da referida obra. Tal força, conforme ele, é também uma vontade, uma “vontade de verdade”, conforme já havia sido tratado em Além do bem e do mal (§1). “Essa nova paixão”, diz Paulo César de Souza, tradutor da edição portuguesa que estou usando, “é entendida, num plano universal, como o impulso em que a humanidade mesma se sacrifica em prol do conhecimento”. De fato, o célebre início da Metafísica de Aristóteles já é indício claro desse impulso para o saber, que o Estagirita também chama de amor: “Todos os homens, por natureza”, diz ele, “tendem ao saber. Sinal disso é o amor pelas sensações. De fato, eles amam as sensações por si mesmas, independente da sua utilidade e amam, acima de tudo, a sensação da visão”. Através dos olhos, que no Evangelho são chamados de “janelas da alma”, nos chega, principalmente, o mundo, e com ele as imagens que ficam gravadas em nossa memória sentimental, nosso entendimento razoável. “Por que tememos e odiamos um possível retorno à barbárie? Porque ela tornaria os homens mais infelizes do que são?”, Nietzsche pergunta de modo retórico, pois responde logo em seguida: “Ah, não! Em todos os tempos os bárbaros tiveram mais felicidade, não nos enganemos! – Mas nosso impulso ao conhecimento é demasiado forte para que ainda possamos estimar a felicidade sem conhecimento ou a felicidade de uma forte e firme ilusão; apenas imaginar esses estados é doloroso pra nós! A inquietude de descobrir e solucionar tornou-se tão atraente e imprescindível para nós como o amor infeliz para aquele que ama: o qual ele não trocaria jamais pelo estado de indiferença; - sim, talvez nós também sejamos amantes infelizes!” Quando nos acreditamos no amor romântico, é que nos achamos embriagados por uma emoção que nos toma de assalto, prendendo a razão nalgum calabouço medonho... e sofremos antes pelo que sofreremos depois. Mesmo assim, qual viciado que sabe que morre, recorrendo àquela substância que lhe prende e mata, voltamos a sonhar quando, numa manhã como esta, nos chega uma correspondência de longe, e com ela um livro de poemas que fala de “um desejo que havia, desde o início, de encontrar uma coisa que faltava...” Do mesmo modo, analogamente, acreditamos no conhecimento, amando-o com igual teor etílico; mesmo quando este só traz a dor, mas ainda assim alguma verdade com ela.

2 comentários:

  1. Muitas palavras ditas, verdades sugeridas... sendo sincera: tô tonta até agora. rsrs O paralelo entre amor e conhecimento, foi perfeito.

    Essa me socou o estômago: "...e sofremos antes pelo que sofreremos depois."

    Por que a certeza da derrota não nos desanima? Por que somos tão facilmente consumidos pelo fogo do amor e do conhecimento?

    Não sei porquê, mas o seu texto me fez lembrar dois acontecimentos: Jesus chorou e Nietzsche também.

    Obrigada pelo carinho.
    Beijo recebido, beijo retribuido.

    ResponderExcluir

patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo