domingo, 27 de dezembro de 2009

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Das famílias. É de se supor que amores perfeitos levem a perfeitos casamentos. Perfeitos casamentos, isso deve vir a reboque da conclusão anterior, devem resultar em perfeitas famílias. Mas, até onde se pode notar, tomando-se como testemunha toda a História, tais argumentos não são válidos, não se sustentam. Que desilusão! Não existem amores perfeitos, nem casamentos, nem famílias. Não existe, por assim dizer, uma lógica sentimental tão perfeita e tão conclusiva que encerre e resista às miríades de imperfeições do amor e, agora sim, a reboque, aos seus imperfeitos resultados. Poderia existir família mais perfeita do que aquela que foi criada pelo próprio Deus? Quem faz a pergunta é o Rubem Alves. Ele conta que lhe pediram que falasse sobre a família verdadeira, de acordo com a doutrina cristã. “Ah! A família verdadeira! Que coisa mais linda! Família, projeto divino: está colado em adesivos de carros. Mas qual será a família verdadeira? Há tantos estilos: patriarcais, matriarcais, poligâmicas. Pensei: a mais verdadeira de todas só pode ser aquela que saiu diretamente das mãos do Criador. E Deus criou o homem e a mulher. Adão e Eva, e disse: ‘Frutificai e multiplicai...’ E foi o que fizeram. Tiveram dois filhos. Um deles era carnívoro e se deleitava com o churrasco de ovelhas e se chamava Caim. O outro era agricultor, trabalhava a terra, era vegetariano e se chamava Abel. Aí, nesse ponto, achei mais prudente não continuar a minha fala sobre a família verdadeira...” E o texto termina assim: três pontos, reticências... Maísa, uma amiga gozadora, diz que “família só presta pra bater retrato”. Não acredito que chegue a tanto, e nem ousaria ir tão longe. Todavia, de perfeições, fato: somos órfãos – não da verdade que um dia foi, mas da ilusão que se desfez, da fé na fé. Agora, mais do que nunca, cumpre-se a profecia de Marx e Engels: “Tudo o que é sólido desmancha no ar”. Agora, mais do que sempre, a única certeza que temos é a certeza da nossa incerteza, e da vontade que temos de crer que amanhã é terça-feira, dia 30 de Dezembro, e que, em algum lugar, esperando pelo ano que vem, alguém sonha, alguém tem esperanças, alguém acredita que é feliz.

3 comentários:

  1. Que texto triste! lembei minha família que se desmanchou. O que ficou não caiu no mar, mas ficou no ar. Fiquei com vontade de chorar! Que rima!!! ar pra respirar e parar de chorar. Temos que crer que amanhã é terça feira 29 sabendo que em algum dia ela foi 30, brincando para espantar a tristeza. Acredito na família, e que mesmo sabendo da cota de sofrimento de cada um, ainda há alguem que se emociona com a mudança de número do ano, sonha, tem esperança e acredita que é feliz!!!

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  2. Como você mencionou a Bíblia, citando a primeira família, deixe que eu também busque lá um pouco de esperança pra toda imperfeição desse mundo: "...toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora." Entretanto, o bug do nosso sistema em nenhum segundo retardará o momento da perfeição.

    Há muita tristeza por toda parte, mas eu (ainda) acredito que a alegria é a melhor coisa que existe. Lou escreveu: "A alegria é a perfeição."

    Deixo pra você, meu querido.
    http://bit.ly/6sjh8K

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  3. Querida Marta, obrigado pelo comentário. Não sei o que acrescentar ao que você disse, nem quero dizer além do dito. Querida Letra Clandestina, li seu comentário com atenção e ainda ouvi/vi o vídeo no YouTube (uma música que conheço bem). Mais do que um "retrato" meu, quero que meus textos tenham um retrato do mundo, mesmo que a gente viva disfarçando a trsiteza com a alegria, ou ignorando o fim a que tudo se destina, com as ilusões dos dias, das horas... Enfim: obrigado por aparecer por aqui novamente. Beijos amistosos!!!

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo