quinta-feira, 29 de outubro de 2009

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Do significado emotivo [ou Uma segunda opção contra o pessimismo em “Das amorosas nostalgias”]. O amor, para Spinosa, “é uma alegria acompanhada da idéia de uma causa exterior”. No amor “de Spinosa”, não há necessidade da presença física do outro; não há uma urgente querência, nem uma falta. A existência do objeto amado, basta, ao que ama. O desejo de união do que ama ao abjeto do seu amor é, meramente, uma propriedade do amar, e não, sob nenhuma hipótese, sua essência. Antes de estar no outro, é em mim que o amor está. E a alegria de amar é, por isso mesmo, uma alegria antecipada, antes do encontro. Não era isso que dizia a Raposa nas suas lições sobre “cativar”, ao Pequeno Príncipe: “Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade!” Antes, porém, quando o principezinho anuncia que vai partir, e a Raposa diz que vai chorar a sua falta, ele pensa, com a mente de uma criança: “Viu? Não é bom isso de cativar ou ser cativado, porque, na minha ausência, você vai sofrer”. Mas a Raposa, com a mente de um filósofo estóico, diz: “Não! Não fale assim! O vento soprando o trigal dourado, no crepúsculo, me trará à lembrança os teus cabelos dourados, e me trará você; é uma saudade boa. Dói, mas é boa. E eu sorrirei com a sua imagem bem viva dentro de mim, o meu sorriso secreto”. A imagem viva, em nossa paráfrase, é a do que pode haver do objeto amado. Ama-se não a ausência, mas a presença da memória, do amor que houve e que, só assim, por ter ido, pode, de fato, haver. A presença constante do objeto amado aniquila o amor. Lembra o dito do Quintana? “O sumo bem só no ideal perdura... / Ah! Quanta vez a vida nos revela / Que ‘a saudade da amada criatura’ / É bem melhor do que a presença dela...” (2, 32). Antoine de Saint-Exupéry sabia bem disso. Tanto sabia que, noutra parte, repete as mesmas palavras ao dizer: “Se tu amas uma flor que se acha numa estrela, é doce, de noite, olhar o céu. Todas as estrelas estão floridas”. Também o baiano Jorge Amado, naquele que é um dos mais belos romances/fábulas já feito por um brasileiro (O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá: uma história de amor), com base na obra de Estevão da Escuna, poeta popular da Bahia, trata sobre essa memória doída e, “incoerentemente”, boa. A fábula, publicada em 1976, trata de um amor impossível, incompatível, entre um Gato – que era, para todos na floresta, feroz e mal-humorado – e uma jovem Andorinha, que via o Gato rabugento como um desafio. O romance, que tem o prazo de um ano, começa na Primavera - tempo das flores e das promessas de vida - e finda no Outono – tempo da solidão, dos dias cinzentos e das folhas despencando no chão, e das árvores com os galhos nus contra o céu –, aparentemente, de um modo bem infeliz: a Andorinha acaba se casando com um Rouxinol e deixa o Gato. E assim, depois de tudo, vem o Inverno, e a tristeza mais triste... “Mas”, acode-nos o Jorge,

Mas porque falar de coisas tristes, por que contar as maldades do Gato Malhado cujos olhos andavam escuros de tão pardos? Disso falavam as cartas enviadas pelos habitantes do parque, cartas que o Pombo-Correio levava a outros parques distantes. As notícias chegavam até o longínquo esconderijo da cobra Cascavel e mesmo ela tremeu de medo. Diziam da maldade do Gato, mas diziam também de sua solidão. Jamais o Gato Malhado voltara a dirigir a palavra a quem quer que fosse. Tão grande solidão chegou a comover a Rosa-Chá que confidenciou ao jasmineiro, seu recente amante:
- Coitado! Vive tão sozinho, não tem nada no mundo...
Enganava-se a Rosa-Chá quando pensava que o Gato Malhado vivia solitário e não tinha nada no mundo. Bem ao contrário, ele tinha um mundo de recordações, de doces momentos vividos, de lembranças alegres. Não vou dizer que fosse feliz e não sofresse. Sofria, mas ainda não estava desesperado, ainda se alimentava do que ela lhe havia dado antes. Triste, no entanto, porque a felicidade não pode se alimentar apenas das recordações do passado, necessita também dos sonhos do futuro.

O velho Jorge sabia das coisas; sabia bem o que dizia, e cada palavra, aí, tem o seu lugar marcado, insubstituível, como o Chico em suas músicas. Indo mais além e de modo mais... poético-otimista, Spinosa entende que há uma satisfação do que ama, hoje mesmo, e mesmo que o objeto do seu amor tenha partido sem promessas de voltar amanhã, ou depois de amanhã. A satisfação de amar é a própria expectativa, e a sua possibilidade, ou a recordação primaveril do amor. Ah! Os cabelos dourados do Pequeno Príncipe; o vôo delicado da Andorinha Sinhá; o retrato dela, dele... A alegria amorosa tem uma significação emotiva atemporal. No final, afinal, cativa-se não o Outro, mas a sua imagem, que vive em nós, enquanto vivemos.

2 comentários:

  1. A postagem de hoje é dedicada à Marta, que me ajudou numa coisa aí. Obrigado, Marta. Obrigado também ao Tiago Ludugério (por encontrar poesia nas coisas simples) e à Léa (que é uma menina passarinho). Felicidades pra gente! :)

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  2. Obrigada pela postagem.Fiquei vaidosa!É bem comum na adolescência se amar o "amor de Spinosa". Será que Jorge Amado teve esse amor? Quem não teve? O Gato aceitou a separação, mas não se conformou com ela.A tristeza e a solidão são provas e uma confirmação de que o amor está em quem ama.A saída é olhar para o retrato e dizer: estou com saudade de você! cativar a imagem guardada pela memória e viver a vida!!!

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo