segunda-feira, 26 de outubro de 2009

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Das amorosas nostalgias. A Saudade é irmã gêmea da Tristeza, filha a quem Amor mais se afeiçoa. Pai ordinário, faz de Tristeza um instrumento, aquele que leva os amantes à loucura. Por isso que a Saudade mora na casa do passado, ao passo em que a Tristeza, presente, não tem casa nenhuma – porque mora onde quer, nômade por vocação. O mundo inteiro é o seu lar, e os corações dos homens e das bestas irracionais são seus quintais, seus playgrounds. E as duas irmãs vivem assim: distantes e próximas; porque assim completam todo o engenho, todo o mecanismo emocional. Saudade pode morrer, em vindo, por exemplo, o encontro com o “objeto” que lha causa... é o que se chama de um encontro feliz; mas Felicidade também tem vida curta. Tristeza, diferentemente, não morre nunca – só para quem morre, mas aí já é outra categoria. “Tristeza não tem fim; felicidade, sim”, diz o Vinicius, no poema A felicidade. De fato: Felicidade – frívola amante de Amor – sempre morre pela inconstância deste. Mas o fruto de tal coito metafísico é, novamente, Tristeza. Ela, como o fogo para Heráclito, é sempre outra, devindo, mas recebe sempre o mesmo nome. Do outro, morto, morta, fica a recordação: recordação do que foi bom e que, agora, naturalmente, já não é... e é: a presença de uma ausência que dói. Tristeza. Não se tem saudade das coisas que foram ruins, como, por exemplo, a extração de um dente siso. É certo que a Saudade, também, pode ser o único fio a ligar o objeto amado àquele ou àquela que não mais o possui. De algum modo e por algum artifício psicológico, nosso cérebro procura eliminar as más recordações, ao passo em que preserva as boas. E mesmo que a lembrança das coisas boas seja, agora, ruim – pelo fato dessas mesmas coisas não mais estarem conosco, e estarem (em nossa saudade) –, ela também é, numa contradição da vontade, boa. “Dos nossos planos é que tenho mais saudades / Quando olhávamos juntos na mesma direção. / Aonde está você agora além de aqui dentro de mim?”, canta o Renato Russo numa tristeza confessa, na letra de Vento no litoral, do álbum V, de 1991. O objeto amado se foi, mas mora, como uma saudade dorida, dentro do peito. De algum modo nós entendemos, numa comovida resignação, que as lembranças tristes nos dizem que, nesse mundo cheio de pequenas alegrias e grandes tristezas, todos experimentam essa alternância da roda da fortuna. E se agora só há tristeza, é que a roda ainda não fez o seu giro completo. A Vontade da vida nos faz crer assim porque, do contrário, nos entregamos ao fatalismo doentio que, psicossomático, nos leva à degeneração anímica, letárgica. A ignorância também nos preserva disso, e é, por esse viés, uma bênção - mas a tristeza pode vir em igual medida para todos. A lembrança de alegrias passadas, por fim, bem pode ser uma promessa de novas alegrias, mais adiante... se houver mais adiante. No final, como saldo positivo dessa contabilidade sentimental, fica assim: se a Saudade traz a Tristeza, é que houve uma Alegria (Felicidade, não; porque aí já é otimismo demais; e ser otimista é ser idealista, e ser idealista é achar-se embriagado, entorpecido), e se houve uma Alegria, outras mais são possíveis. O idealismo é o ópio do povo!

3 comentários:

  1. Antônio, Parabéns!!! O texto é simplesmente Perfeito!!!

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  2. I found this poem very well prepared and with unsurpassed quality.

    Tiago Ludugério

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  3. Esse texto tem entrelinhas que dariam outro texto. A saudade triste lembra alegrias, mas eu digo como Vinícios de Morais citado no texto. "A tristeza fez do meu coração a sua moradia". A roda gira, mas um objeto partido e colado não tem o mesmo valor de antes e como a ignorância não abrange tudo, o lado descoberto fica fora da "bênção". Outras alegrias são possíveis, mas a tristeza continua. Teimosa!!!

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo