sábado, 3 de outubro de 2009

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Dos costumes e dos hábitos. Em latim, “costume” (mores) tem haver com as atitudes institucionalizadas por determinado grupo social, às quais são aplicados os qualificativos “bom” e “mau”, sendo os mesmos reforçados por sanções ou prêmios, conforme o agir individual - em relação ao Outro ou em relação à sociedade. Um conhecido adágio popular reza que “O costume é que mata”. Costume, aí, tem haver com o “hábito”. Em latim, hábito (consuetudo) é derivado do grego éthos (ética), que é o mesmo que “costume”, como vimos. Acontece que há, desde Kant, principalmente, uma sutil diferença entre um é outro termo, entre uma e outra coisa. Trata-se do habitus [note que é diferente de consuetudo], que deriva do grego éthis (ética), que tem mais haver com uma certa e constante disposição para ser ou agir de um certo modo. Um exemplo: você pode ter o hábito de “apagar a luz ao sair do banheiro”, como se isso fosse um compromisso para evitar desperdício, por consciência ecológica, et cetera; isso é relativamente diferente de “apagar a luz ao sair do banheiro” por mera rotina, mecanicismo, sem ao menos notar. Mas, enfim, voltemos ao primeiro sentido, aquele em que o “costume que mata” está colocado. É nesse sentido que se diz: “As coisas habitualmente acontecem assim”, indicando uma uniformidade nas ações, na “coisa” feita. Nessa acepção, Aristóteles dizia, na sua Retórica: “Faz-se por hábito aquilo que se faz por se ter feito muitas vezes”, acrescentando que “o hábito é, de certa forma, muito semelhante à natureza, já que ‘freqüentemente’ e ‘sempre’ são próximos: a natureza é daquilo que é sempre [que ocorre naturalmente]; o hábito é daquilo que é freqüentemente”. Esse sentido, clássico, vigora até hoje – na biologia, na psicologia e na sociologia, principalmente -, e Pascal, nos Pensamentos, fez o hábito incidir na crença, como que fundamentando-a no “freqüentemente” do Estagirita. “É o costume (coutume)”, diz ele, “que torna as nossas provas mais sólidas e dignas de crédito: ele redobra o automatismo, que arrasta o intelecto sem que este se aperceba”. Pobre do que se apaixona pela beleza! A acostumar-se a ela, vem “o automatismo, que arrasta o intelecto sem que este se aperceba”, e a Vontade sai à procura de outras belezas. Na letra de “Sete cidades”, Renato Russo diz a uma amada (ou amado) sua/seu, imaginária/o: “Já me acostumei com a tua voz / Com teu rosto e teu olhar / [...] Quando não estás aqui / Sinto falta de mim mesmo”. A Outra/Outro, objeto amado, se confunde com o amante. É uma liga beatífica, só possível na poesia, na metafísica, no êxtase poético, como uma Santa Teresa D’Ávila. No mundo real, nada poético, pode-se viver com o outro por hábito, costume, e não por paixão. Milhões de casais, por praticidade econômica as sanções morais – uma separação litigiosa ou não dá muito trabalho, e pode ser bem cara – vivem assim: acostumados um ao outro, conforme o mandamento evangélico que diz: “Suportai-vos, por amor”. O amor, aí, que nada tem haver com paixão, é obrigatoriedade cristã, fraterna, que instiga o fiel a ver o Outra ou a Outra como irmãos. Viu como Eros passa longe? É ágape quem manda aqui. A paixão, que é o espanto (pathos) inicial do êxtase perante a beleza do Outro, e daí a paixão, foi-se; ficou, para o que é cristão ou para o que quer viver segundo os “bons costumes”, a obrigação de continuar com Outro, amando-o assim: por conveniência, por obrigação ou por piedade, mas sem a paixão. Mas essa história toda não precisa terminar assim tão medonha; existem aqueles que têm a sorte de experimentar aquela “fase da ternura”, defendida por Antônio Rezende e Rubem Alves (cf. 2, 9); e há aqueles que também ganham na loteria.

2 comentários:

  1. Grande Pata...
    Muito boa essa de "divagar sobre as burrices do amor"... Isso dá muito pano pra manga, hehe...
    O negócio então é buscar apaixonar-se constantemente para não se entregar "aos costumes do amor"...É difícel, né?! Afinal, os bons hábitos devem ser cultivados, hehe...
    Bjoooo

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  2. Obrigado pelas visitas e pelos comentários, pessoas queridas!!! Vários abraços pra todos/as. :))

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo