segunda-feira, 19 de outubro de 2009

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Do estômago e do sexo. “Toda a existência humana decorre do binômio Estômago e Sexo. A Fome e o Amor governam o mundo”, afirmava Schiller. O homem é, essencialmente, estômago e sexo. Na busca por alimento ou por sexo, a luta é uma constante, mas transcende ao próprio homem – e por isso não lhe é imputada como essente –, está sobre tudo, sobretudo, na natureza, onde o mais forte devora aquilo que é mais fraco, ou não (como quando se obedecem aos limites que, culturais, são absorvidos, geralmente, sem que se saiba bem de onde vieram e porque funcionam assim; tabus, sanções morais, et cetera). Embora com limites, Estômago e Sexo resumem bem tais mecanismos e constituem-se, assim, dois mecanismos onipotentes da/na luta.
“Os artifícios da astúcia, disciplina da força, oportunidade da observação aplicada, são formas aquisitivas para a satisfação das duas necessidades onipotentes. O sexo pronuncia-se em época adiantada apesar das generalidades delirantes de Freud. O estômago é contemporâneo, funcional ao primeiro momento extra-uterino. Acompanha a vida, mantendo-a na sua permanência fisiológica. O sexo pode ser adiado, transferido sublimado em outras atividades absorventes e compensadoras. O estômago não. É dominador, imperioso, inadiável. Por isso os alemães dizem que o sexo é fêmea e o estômago é macho. Pérsio fazia do ventre o mestre das Artes, subornador do engenho. Magister artis ingenique largitor, Venter... A Fome faz cessar o Amor, diziam os gregos. Erota pamei limos. O Eclesiastes adverte que todo trabalho do homem é para sua boca. São Paulo temia-lhe a intervenção na obra divina da redenção: ‘Não destruas por amor da comida a obra de Deus’ (Aos Romanos, XVI, 20). Vinte ventres!, proclamava Caio Lucílio, 149-103 anos antes de Cristo”, Diz o potiguar Luís da Câmara Cascudo, nas primeiras linhas de História da alimentação do Brasil, que teve a primeira edição em 1967.
O alimento é necessário, todos os dias – alguns governos têm criado leis, como no Brasil, que garantam (ao menos em tese) o direito de três alimentações diárias para todos -; e luta-se por ele; o sexo também é necessário, a longo ou curto prazo, e todos necessitam dele para continuar vivendo, no outro que é gerado por mim, por você: “Ó metade de mim, ó metade arrancada de mim”. Do mesmo jeito que o Chico fala do filho morto, poder-se-ia também falar do filho vivo, que veio à vida, recém-nascido. Filhos são retratos dos pais; espermas crescidos (cf. 1, 38). Por toda a vida vive-se na luta pelo alimento. Há quem veja, nisso, motivo de prazer e satisfação – e não há dúvida de que um jantar acompanhado com quem se gosta, um picnic entre amigos, et cetera, seja mesmo prazeroso. E não há dúvida de que, achar-se apaixonado por alguém que lhe corresponde à paixão é, também, um prazer. Mas, depois de cheio, o estômago não deseja mais o alimento; depois da paixão realizada, o desejo quer viajar por outros caminhos, porque ele precisar manter-se vivo como... desejo. Omne animal triste post coitum, lembra-se? A saciabilidade é momentânea e, aí, mais luta, por uma ou outra coisa. Não existem pessoas satisfeitas, afinal e em absoluto; não é possível. Viver é muito custoso; morrer é muito ruim, e vai contra o nosso instinto mais básico, mais primitivo. Por isso que, contra a grande tragédia que atravessa o mundo, a tragédia de notar-se vivendo, lançado-aí, os gregos inventaram a arte. Só a arte é tábua de salvação. Assim constituiu-se, e de tal modo que, hoje, quase tudo – inclusive o alimento e o sexo – torna-se um modo de arte, dependendo de como os recursos (qualquer um) sejam utilizados, dependendo de como os artistas (qualquer um) os utilizem.

Um comentário:

  1. Concordo com a afirmação de Schiller. A vontade de comer e o amor andam juntos. O filme nacional ESTÔMAGO, dirigido por Marcos Jorge, retrata essa realidade. A necessidade de alimento e de sexo podem levar uma pessoa a fazer loucuras! Aí está a arte como tábua de salvação. Os gregos inventaram a arte e os brasileiros incluíram nela o alimento e o sexo.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo