terça-feira, 21 de julho de 2009

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Da dialética sentimental. Francisco, coitado, era louco por Clarisse. Já nem sonhava com a moça; delirava. Tudo o que via, o que fazia, evocava, de um modo misterioso, a face doce e angelical de Clarisse; e, sem notar, dizia o seu nome enquanto dirigia, enquanto ouvia uma música qualquer ou lia algum livro. Clarisse estava em tudo, misteriosamente presente. Mas ela o ignorava. Uma vez chegou a dizer ao irmão, fazendo-se de tonta e dando a entender que desconhecia que Francisco gostasse assim tanto dela: “Acho que o Chico gosta de mim! Quero nada com ele não”. Acontece que César, irmão de Clarisse e amigo de Francisco, contou-lhe tudo, tal como dito pela irmã. O “quero nada com ele não”, na boca de César, parecia vir diretamente da boca de Clarisse. E Francisco, ao mesmo tempo em que sentia uma estranha raiva de Clarisse, desejava esmurrar o irmão da moça de palavras tão medonhas. “Ah! Infeliz!”, pensou, “porque tinhas de castrar as minhas esperanças com uma faca assim tão cega?” Tempos depois, desiludido, Francisco começaria a sair com Lúcia – por quem sentia mais atração do que amor, como ele mesmo nos dizia. Clarisse, por sua vez, sem receber as atenções de Francisco e vendo-se ignorada por Assis, de quem dizia gostar, começou a sentir ciúmes de Francisco, e mais ainda ao vê-lo assim, rindo de braços dados com Lúcia. Ele, que nunca havia lhe esquecido, percebeu o quase disfarçado ciúme. E foi o suficiente para que ele, dias depois, começasse a observá-la como antigamente. O problema maior, agora, era Lúcia. Como poderia chegar e, sem um motivo qualquer, dizer que não a queria mais? Como Sören Kierkegaard ensina no seu Diário de um sedutor, é mais fácil começar uma relação amorosa do que dela desvencilhar-se, havendo começado. E nada garantia que Clarisse viesse a ficar com ele; mas, até mesmo pelo sentimento de conquista que habita em todos os homens, ele precisava tentar, nem que fosse para dizer a si mesmo: consegui, ou: fiz o que pude. Mas, em relação à Lúcia, mais que um problema sentimental, Francisco via, aí, um problema moral, um problema ético. Enquanto seu coração dizia: “abandone tudo, agarre o amor da sua vida”, sua consciência redargüia: “e Lúcia? Como é que ela vai ficar nisso tudo? E as pessoas, o que dirão?” Mas, nessas coisas do amor romântico, os apelos e as perguntas da consciência nem sempre são tão fortes quanto os incisivos chamados da Vontade, da paixão licenciosa. Logo ele encontraria um motivo para dizer adeus à Lúcia e, mais uma vez, correr atrás de Clarisse. E agora, como que por uma requintada ironia, Assis começou a ligar para Clarisse, sugerindo um encontro em algum lugar. Tanto ela quanto Francisco, porém, sabem que ele só quer, com ela, sexo; sexo sem compromisso, sem nada mais que... sexo. Mas, à noite, antes de dormir, quando ela fica sozinha em seu quarto, pensa: “quem garante que ele não vai gostar de mim?”, sim: quem garante? Francisco, debaixo das cobertas, nem dorme: sabe que as mulheres são bobas e, como sempre, têm queda por tipos assim, cafajestes. E para tais personagens, por fim, nada é tão certo quanto a incerteza.
Moral da história: o amor, meus caros, parece sempre adiante de nós e, tão logo pensamos tê-lo alcançado, ele se mostra ainda mais adiante – como quem escondido no final de um horizonte.

Um comentário:

  1. Texto muito envolvente Patativa!
    Quem nunca esteve na pele de Francisco levante a mão. Todos com as mãos abaixadas; foi o que pensei.
    André Sérgio

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo