domingo, 19 de julho de 2009

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Da dor de tudo – O novo homem pode, a tudo amando com o amor fati, sem o amour de soi, nada amar, nada temer, nada querer com paixão e desmesura; é o único amor que vale a pena ser amado – dizia Zaratustra, contemplando o horizonte distante, como fazem os velhos.
– O que tu sabes sobre o amor? – perguntavam os homens, desdenhando do velho eremita solitário.
– Sei que ele, além do desejo de preservação, hora é Dionísio, hora é Apolo. Máscaras, porém. Seu fundamental ardil consiste em confundir o que ama, fazendo-o crer-se feliz; não notando que é doente e, assim, fraco. O amor, servil e romântico, faz o trabalho que à vida compete, mascarando a Vontade que impera sobre tudo o que vive e, eo ipso, quer viver: gera filhos.
Os homens olhavam Zaratustra com arrogante desprezo. Como poderia dizer tantas loucuras? Eles não ousavam contrapor o velho, mas pensavam sobre a vida das grandes árvores, dos musgos, dos vermes minúsculos. E a espontaneidade de tudo isso, em que lugar ficava em tal “teoria”?
Como se soubesse o que pensavam, Zaratustra lhes disse:
– A diferença entre o homem e a fera é que o homem pode pensar-se fera, e aassim ser mais do que a fera. Nisso está o seu céu, e o seu inferno. E no alto de tudo e no ato de tudo, a Vontade, que é mascarada como nome de amor, amor romântico. Amor que é, presente, desejo do futuro; como a semente que, não mais que semente, quer-se árvore. O disfarce não se mantém, porém; porque a realidade reclama a sua presa. Daí que tal amor, realizado, é também a sua morte; igual o Desejo, a Vontade, a semente que germinou. O amor, como o homem, é uma corda estendida entre dois abismos: nascimento e morte; no meio, o sofrimento da vida, e a luta por ela. A natureza selvagem, idílica para alguns, não mascara a dor, o sofrimento. O pássaro não canta porque é feliz, sequer pensa-se feliz, sabe o que isso seja. O pássaro geme, grita de dor, porque a sente, sem questioná-la. Nada mais autêntico do que o pássaro, e os bichos que não têm razão; porque eles não maquiam a dor, não enfrentam o trágico com a arte, como fizeram os gregos, e como vós, hoje, fazeis. Eis aí – disse Zaratustra, abrindo os braços como a abraçar os campos – um céu inteiro a ser voado. Não seremos nós mais que os pássaros?
Não havia mais quem o respondesse, todos haviam ido embora.

2 comentários:

  1. ... n entendi bem, mas adorei.

    :)))

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  2. Que bom!

    Espero que vc entenda os próximos, querida pessoa que não conheço.

    P.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo