quinta-feira, 9 de julho de 2009

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Do querer e do não-querer (ou Da autenticidade e da inautenticidade). Daniel, num desses sites de relacionamentos, conheceu Carla. Depois de muitas e agradáveis conversas – como ele mesmo disse –, decidiram se encontrar. Moça inteligente, cabeça feita, futuro promissor, conquistou fácil o coração de Daniel, com quem passou a dividir sua cama e sua vida, por algumas noites. Acontece que os amigos de Daniel, gozadores que eram, e socráticos – pelo menos na parte da ironia –, quando perguntavam por ela, nem ao menos mencionavam o seu nome – que é a nossa identidade social mais próxima –, mas referiam-se à moça como “a gorda”; embora ela não fosse exatamente isso que eles diziam. “E aí, Dani”, perguntavam, aos rizinhos miúdos, “não vais te encontrar com a gorda hoje?” Dada a repetição da mesma fala, dos mesmos risos, Daniel, que até então resistira a crer que Carla fosse gorda e que isso e que aquilo, começou a observá-la com os olhos dos amigos; e isso pesa muito na contabilidade existencial de cada um. Tanto que, não por acaso, Sartre, falando da inautenticidade, diz que o eu inautêntico é aquele que me faço fundamentado no olhar do outro sobre mim, e que é por meio desse outro que me vejo. Ou, definindo o status da liberdade que apregoava: “Para saber uma verdade qualquer a meu respeito, é preciso que eu passe pelo outro”, e daí, provavelmente, a sua máxima mais conhecida: “Não importa o que fizeram de mim, o que importa é o que eu faço com o que fizeram de mim.” Certo é que, para Daniel, nos dias que se seguiram, aquela admiração de outrora, que era sua, não sendo também dos outros – pelo menos dos seus amigos mais próximos –, começou a emudecer, começou a desbotar; Carla já não lhe dava tesão. E embora Daniel nada soubesse sobre Sartre, sabia muito bem que, “sem tesão, não há solução”, como dissera Roberto Freire, introduzindo o tal conceito na cultura brasileira, no livro homônimo. Já não bastava achá-la admirável; não bastava gostar do seu papo-cabeça; era preciso, mais que isso tudo, o Desejo – porque o que restara era tão somente o desejo do desejo dos outros... mas isso não bastava, não à sua situação amorosa. Carla teria que encontrar um outro Daniel, ou um outro outro.
Moral da história: o meu querer é o querer do outro. Fugir disso é a liberdade, mas, quem é, realmente, livre? Nada mais autêntico, nada mais inautêntico. E, sim, claro que Heidegger tem razão.

3 comentários:

  1. Daniel não era inteligente; não era cabeça feita e nem tinha um futuro promissor (ao menos com a moça!). Também não era um modelo pra dividir a cama e nem a vida! :_)
    Quer saber? Melhor ser 'gauche' na vida do que um "autêntico" casal clichê.

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  2. Ainda bem que isso aqui não é uma Igreja, e todo mundo (até fake) pode discordar. Justificativas do que digo vêm nos livros 2 e 3, que o futuro - se existir - trará.

    E tenho dito!
    P.

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  3. Querida Tela (acho divertido teu apelido), eu não tomei o teu comentário como "crítica" não, viu? :) Sério mesmo. E quando falei "fake" foi pq não consegui ver nada no teu Blog - que é onde eu ia responder. E quanto ao discordar, é sério: pode ficar bemmmm a vontade para isso. Esse texto é baseado num caso verdadeiro, só mudei o nome do cara (um amigo meu, do Sul). E eu fiz justamente criticando a atitude dele. No Livro 1 (que é onde tem esses textos/contos), não defendo e nem apóio o que os personagens fazem, apenas descrevo. Nos Livros 2 e 3 é que manifesto o que penso - e por isso o que eu disse sobre as "explicações futuras", no meu último comentário ao seu comentário. VOLTE MAIS VEZES. E, SIM, me senti prestigiado com o seu comentário. ;)

    Um beijo do P.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo