domingo, 12 de julho de 2009

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Das imagens. Ribeiro Couto é autor de um conto intitulado Diário de amor de um moço delicado, ambientado no subúrbio carioca. No referido conto, Cláudio Pereira apaixona-se por Olímpia, filha de Albina. Cego de amor, Cláudio é capaz de andar a cidade inteira para estar com a moça, que é pobre e mora no subúrbio. Tudo gira em torno de Olímpia, a mulher ideal por ele tanto procurada e de quem, sonhando, dizia: “Encontrei a felicidade”. O tempo parecia não passar entre a despedida do último encontro e a perspectiva do próximo. Sem Olímpia, nada tinha graça, nada tinha cor. Mas, como na contraparte natural do ensinamento no Evangelho: depois da bonança vem a tempestade. É quando se desfaz a ilusão de qualquer “amor ideal”, e com ele a ilusão de uma felicidade encontrada. Viriato Vieira, amigo de Cláudio, aconselha-o que vá às mulheres, aos cabarés, que é o lugar onde se pode iludir os sentidos, adormecer a memória, “entorpecer a imensa dor” – remédios que Cláudio julgará inúteis. Ah! Vocês não sabem? O amor vive da memória do objeto amado. Ama-se a imagem do outro que mora em nós. Unimo-nos a ele por meio da imagem, da lembrança, do desejo do real – que é quando a imagem do objeto amado, desejado, confunde-se (co-funde-se) a um corpo, físico. Não por acaso santo Tomás de Aquino, definindo o real, ou a verdade lógica, dizia que ele/ela não está nem nas coisas e nem no intelecto, mas nessa adequação entre a “coisa” e o intelecto: “veritas est adaequatio speculativa mentis et rei”. Modernizada a questão, Heidegger nega que tal verdade seja primariamente a adequação do intelecto com a coisa; faz isso para sustentar que, de acordo com o primitivo significado grego, a verdade é a descoberta, o desvelamento (alétheia). Tema complexo, exige mais do que um interregno numa leitura analítica de um conto antigo. Seja como for, e para o nosso fim, consintamos que, mais que o físico, ama-se a imagem. Assim, quando esta imagem erótica (motivadora do desejo) se vai, a sua representação física – que seria a sua realização metamórfica – não resiste. É relação sem desejo, sem paixão. Pois foi isso que aconteceu com o amor ideal de Cláudio por Olímpia. Mormente, diga-se, a bem da verdade, ajudado por Albina, “uma enorme senhora gorda”, mãe da moça – que é, na história, qual malévola bruxa. Ribeiro Couto mantém o ideário popular da sogra maldita. Cláudio, conhecendo tal megera e mantendo viva a imagem dolorida de, quem sabe, uma traição de Olímpia – ela usava um colar e uma pulseira que não foram dados por ele e, pobre que era, não poderia comprá-los –, só pensa em fugir, sozinho, para Minas, para Goiás. É que as imagens podem facilmente ser diluídas por aquilo que delas se fazem ou se dizem, e com aquilo ao que, a elas, associamos. E isso vale principalmente em relação aos outros, sobre quem pouco podemos intervir; afinal, “a imagem não é uma coisa: é um ato da consciência”; vive-se por ela e, por ela, vivemos.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo