terça-feira, 14 de julho de 2009

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Dos antídotos do tempo. Dos amores de Aristeu, Aninha foi o que mais lhe trouxe dores, aflições e uma somatória enorme de noites mal dormidas. Nada dói tanto quanto um amor não correspondido. Aninha, aos olhos apaixonados de Aristeu, era a moça mais linda e perfeita deste mundo, e dos outros também. Fora agraciada pela natureza com longos, louros, belíssimos e ondulados cabelos, e um rosto angelical que deveria botar Penélope, Helena ou qualquer outra dessas das histórias clássicas no chinelo. O sorriso de Aninha era, a um só e mesmo tempo, plácido como o de um anjo, sensual, doce e quente como o de uma meretriz. “O sorriso dela, Patativa”, ele me dizia, embasbacado, “me desmonta todo”. Mas, como em tantos e tantos casos, a figura de Aristeu não causava à sua amada o mesmo impacto que a dela, nele. E assim foi que, tempos depois, depois da desilusão de haver perdido o amor da sua vida, Aristeu fez de tudo para encontrar em Carmem tudo aquilo que não havia conseguido em Aninha. Linda e esperta, Carmem soube administrar os conturbados sentimentos de Aristeu, deixando-o cada vez mais e mais apaixonado e dependente dela, da sua atenção, dos seus beijos, dos seus carinhos, do seu sexo, et cetera. Mas Carmem, por forças da situação, teve que se mudar, com os pais, para Campinas; e Aninha, dias depois, casou-se com Mauro, um “sujeito gordo e mal educado”, conforme os juízos do amargo Aristeu. Assim, distante de Carmem e do poder da sua prodigiosa sedução, Aristeu voltou a pensar e sofrer por Aninha, que passou a vê-la esporadicamente, aos acasos da sorte. Mas a sua moral dizia, torturando-lhe: “Fique na sua, seu monstro! Ela agora é uma mulher casada”. Uma paixão mal resolvida é, conforme a vasta literatura romântica, uma cicatriz permanentemente aberta, seja no corpo ou na alma. Aristeu só conseguiu se curar de tal doença quando, tempos depois, por causa do seu ofício, viu-se obrigado a mudar para Recife, onde casou e teve filhos. Sete anos depois, de volta a João Pessoa, desejou rever Aninha, sua antiga paixão. “Somente para saber como ela anda, e pelos velhos tempos”, pensava. Qual não foi a sua surpresa ao ver que a “sua” Aninha, outrora tão linda e... perfeita, estava assim, irreconhecível: gorda, feia, velha, um bucho. A vida, sem dúvida, lhe havia maltratado, e maltratado muito. No pequenino diálogo que tiveram, como têm os bons amigos que se reencontram depois de muito tempo, Aninha lhe disse, por três vezes, desafiando o seu humor: “Nossa, Aristeu! Você não mudou nadinha, menino!” Ele, sem poder dizer o mesmo, somente pensava, agradecido: “Meu Deus! Do que foi que me livraste!” No amor, já dizia o Edu Lobo, “quem perde, quase sempre ganha”.
O tempo tem o curioso poder de cicatrizar feridas, de desfazer as tolas ilusões de amor eterno. No final, como que em velhas casas abandonadas, ficam apenas os fantasmas, as poucas lembranças que são quais retalhos rotos que não podem ser costurados na arqueologia sentimental de quem viveu ali, ou conheceu alguém que ali viveu. O amor, ingênuo, sonha sempre com eternidades. A vida real, sem as máscaras, conhece apenas os momentos, o agora-mesmo, e os retalhos.

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