sexta-feira, 3 de julho de 2009

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Dos perfumes. Era sábado, dia de ir à casa de Marília, como de costume. Daniel pôs a camiseta preta que havia comprado na C&A, dividindo o pagamento em três vezes no cartão. Depois de calçar os sapatos e se olhar no enorme espelho que sua mãe lhe dera, fazendo poses modelares para ver se estava bom, tomou outro banho de perfume e saiu incensando toda a casa. Também, pudera: Marília falava o tempo inteiro que amava aquele cheiro, e que ele fazia-lhe, ao fechar os olhos, imaginar-se deitada num campo repleto de flores silvestres, e que isso e que aquilo... e o abraçava com força, como se quisesse empurrá-lo para dentro de si, peito adentro, pensando alto em “Miosótis, Papoulas, Alfazemas...” Meia hora depois, trânsito bom, Daniel chegava com a sua moto Honda de 250 cilindradas na casa de Marília, no Castelo Branco. Mas ela, estranhamente, ainda não havia chegado. “Tudo bem, eu espero”, disse à mãe da moça, que não conseguia ficar tranqüila com a demora da filha. Horas depois, depois de uma dezena de telefonemas, a notícia: Marília fora atropelada por um motoboy que, na sua pressa ou no seu medo, negara-lhe o socorro. O corpo, agora identificado, aguardava a família no Hospital de Traumas, na BR. A mãe da morta desmaiou; o pai amaldiçoou todos os motoboys de João Pessoa, e do mundo; e Daniel, desde então, não suporta mais o cheiro daquele perfume que Marília tanto amava. Tal fragrância agora tem, para ele, o cheiro acre da morte, da tristeza inominável, da angústia indescritível... Não é estranho que os cheiros nos tragam tantas imagens, tantas recordações?

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