quarta-feira, 3 de março de 2010

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Da suspensão romântica. A suspensão romântica é o memento mais exuberante da vida, da Vontade da vida: é o momento em que dois olhos se encontram, se reconhecem e, sem que, necessariamente, haja qualquer toque ou discurso, se amam. Foi assim, por exemplo, que Florentino Ariza, poeta e telegrafista, conheceu Fermina Daza, o amor da sua vida - a quem, embora viesse a ter um número altíssimo de amantes, esperaria por toda a sua vida: até o dia em que o marido dela, o aristocrata Dr. Juvenal Urbino, já velho, morresse. “Fermina”, diz Florentino, “esperei por esta oportunidade durante cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias. Este é o tempo que tenho amado você, desde o momento em que a vi, até agora”. Fermina e Florentino são personagens do best-seller de Gabriel García Márquez, O amor nos tempos do cólera, de 1985. A arte imita a vida em seu espetáculo mais vibrante, e também nos seus delírios: “Depois de ciquenta e quatro anos, sete meses e onze dias e noites, meu coração finalmente se realizou. E eu descobri, para a minha alegria, que é a vida que não tem limites, e não a morte”, diz Florentino, já velho, ao lado de seu velho amor. E assim termina a história. O tempo que propicia o encontro é o mesmo que reclama resultados: a vida que, dos dois, deve advir – pois a união de pessoas não tem outra finalidade senão esta: a continuidade da vida. Mas a gente não costuma pensar ou sentir o amor com a razão, de modo químico-biológico, mas de modo sublime, mágico, mítico. É assim que, mesmo ao sabor do acaso, a suspensão romântica se mostra como aquele momento em que um olhar diz ao outro: eu poderia ser seu, eu poderia ser sua, para sempre – como prometera Florentino à Fermina. Ser seu ou ser sua, curso natural, resulta no filho ou na filha que é nosso, que é nossa! E mesmo que isso não se dê assim, de modo efetivo/afetivo, físico – pois nem todos podem gerar filhos -, dá-se, porém, de modo ideal, platônico, no desejo gravado em nosso programa genético. Algo bem idêntico ao que se diz no Evangelho, de modo reprovatório: “Quem olhar para uma mulher e desejar possuí-la, já a possuiu em seu coração”. O desejo, aí, é o mesmo que a ação, na intenção. Mas a suspensão romântica pode assumir várias e, por isso, equivocadas facetas. Uma dessas foi a que me soprou Rubem Alves, falando de uma das suas viagens de metrô, em São Paulo. Ele conta que o vagão estava lotado, sem lugares para que ele pudesse sentar. Mas isso não o incomodava, pois ele era jovem, se sentia jovem. Em pé, segurando num balaústre, começa a observar o rosto das pessoas – coisa que ele gosta de fazer. É que “os rostos revelam mundos”, ele diz. “De repente”, conta, “meus olhos encontraram uma moça que também olhava para mim, com um discreto sorriso nos lábios. Foi um momento de suspensão romântica: eu olhando para ela, ela olhando para mim. Aquele poderia ser o início de uma história de amor... Muitas histórias de amor se iniciam em estações. Mas então, naquele momento de suspensão romântica, ela fez um gesto delicado: sorrindo, se levantou e me ofereceu o lugar... Entendi então o sentido do seu sorriso: olhando para mim ela se lembrava do seu avô, velhinho tão querido... Compreendi que estava velho”. Nos caminhos do amor, as suspensões românticas são como flores silvestres. Às vezes perfumadas, às vezes não. Mas, afinal, flores.

3 comentários:

  1. Sobre a "suspensão romântica" foi um dos textos mais lindos que li nos meus 32 anos, 1 mês e 4 dias de vida!

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  2. Nossa!
    Amei esse texto.
    A suspensão romântica, é um tema que nunca tinha me atrevido a pensar, confesso, e encontreia aqui, convidativa a horas e horas de devaneio.
    Agora não tenho muitas opniões sobre ela, mas tenho as impressões.
    rsrsrs...
    Primeiro, que foi um texto comovente, e sensacional. Usar trechos do Gabriel me fez rachar de comoção. Adoro o Gabriel, e bem, essa história do Florentino e Fermina me traz lembranças de esperanças...
    Segundo,a citação do Rubens: "Rostos revelam mundos..." Maravilhosa!
    Parabéns pela inteligencia, não sei se deveria parabenizar alguém por algo tão natural, mas você merece. Filosofia é um estudo muito especial, e que me dedico nas horas vagas. Queria um dia ter compreensões tão sábias.

    abraço.

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  3. Taiza e Nine, que comentários tão queridos! Obrigado! Marta, que bom que você não esqueceu de me visitar! Abraços e beijos à todas!

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo