sábado, 27 de março de 2010

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Das semelhanças entre a chama de uma vela e o mudar de casa. “B.-H.L.: Eu não sou romântico. Enfim: tento não sê-lo. E conheci, próximo de mim, muitos vínculos que se desfizeram por serem muito, muito prudentes. Porém, não digo, com efeito, que eles ‘se desgastaram’. Nem, de resto, que as paixões ‘se extinguem’. Não somente por essas palavras serem feias (ainda que isso conte, não é, a feiúra de uma palavra?). Mas é a própria idéia que eu recuso. Pois nos dois casos a idéia é a mesma. Ora se diz que a paixão ‘se extingue’ – e é concebida como uma espécie de chama, ou de vela, de combustão forçosamente limitada. Ora se diz que ela ‘se desgasta’ – e é concebida como uma velha corda que seria usada até o ponto de se romper. O ponto comum é que vêem essa paixão como um tipo de massa, ou de estoque, com tudo o que essas palavras podem ter de redutor. Há uma reserva de amor. Tira-se dele. Tira-se mais ainda. Uma bela manhã, nada mais há dele. Esgota-se a paixão, como se esvazia uma conta no banco. Bem, não creio nisso... Não creio, de maneira nenhuma, que seja assim que as coisas se passem...
F.G.: Não imagino a paixão como um ‘estoque’ que iria se esgotando, ou como uma chama que iria diminuindo. Extinguir, apagar: a palavra é ruim, você tem razão, se bem que seja a de Proust. Não encontro outra melhor para dizer que um dia há uma quebra e aí... pronto... se dissipa, desaparece, sei lá. Estava lá, agora não está mais...”
A.P.S.: Pois eu sei que palavra é essa: Perspectiva. E uso assim, com um “P” maiúscilo mesmo porque, dentre outras, bem muitas outras, está ligada diretamente ao Desejo, àquela Vontade que Schopenhauer também escreve com “V” maiúsculo – embora isso seja bem comum na língua dele. Enfim, penso que vocês se confundem porque, ainda, e não sei exatamente por quê, querem dar uma “explicação” da relação homem/mulher de uma perspectiva romântica, idealista, cinematográfico-hollywoodiana, ou sei lá o quê – para usar uma expressão sua, Giroud querida. Não é difícil ver: toda a beleza – e nenhum dos dois há de negar que o que aproxima um homem de uma mulher, ou o contrário disso, ou isso aí invertido, é essa coisa que chamamos de “beleza”, “empatia”, et cetera - tende a morrer, cedo ou tarde, diante do tédio cotidiano, dos olhos que se acostumaram com ela. Acontece que nós, carentes de absolutos – e a beleza absoluta não pode ser contida em um objeto limitado (e não há como não reconhecer que o objeto do nosso amor é sempre, de algum modo, limitado) – sempre procuramos essa “coisa” absoluta para além do horizonte: é o que alguns chamam de transcendência, e que outros querem fazer esbarrar em alguma divindade supra-lunar, metafísica e mais et ceteras. Assim, quando a chama se apaga – nem ligo se a palavra é feia –, logo tratamos de procurar uma chama de maior brilho; quando a grama escasseia, pulamos o cercado. Não é que a Vontade (ou o amor, como vocês insistem) se acabe; o que ocorre é que mudamos de casa, direcionamos a nossa vontade para outro alvo. O amor romântico, tal qual o conhecemos em seu modo mais comum, só se prende por amarras morais, e isso no plano físico – pois, noutro plano, voa por muitos ninhos, muitos jardins, como uma borboleta que procura, sem ao menos ter noção do porquê faz isso, a melhor flor, o melhor néctar. Amar é mudar de casa; continuar amando, é milagre!
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As duas falas, no texto, antes da minha intromissão, são de Bernard-Henri Lévy e Françoise Giroud, respectivamente. E elas fazem parte do capítulo 6 (“Do erotismo como ingrediente do casamento”) do livro Les hommes et les femmes, de 1993, que é o registro de um diálogo dos dois.

Um comentário:

  1. Gostei.Acho interessante falar de amor e paixão,é assunto que não se esgota. Mas me parece que por mais que a gente escreva,discuta,pense,imagine, nunca se vai atingir realmente o que 'é' amor,o que inicia ou termina a paixão,que a meu ver, embora profundos, sao assuntos muito voláteis. =**

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo