domingo, 28 de fevereiro de 2010

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Das análises profundas. O amor é um dos temas centrais das filosofias de todos os tempos. Aliás, o próprio termo philosophia (philo: “amor”, “amizade”; sophia: “sabedoria”) é radicado no amor, no amor ao/pelo saber. Ou seja: é algo sempre em vista de... Não é um saber acabado, pronto, definido, mas a definir-se, sempre e cada vez mais. Os discursos mais antigos sobre o amor - e boa parte dos modernos -, via de regra, insistem em querer transcender as falas miúdas dos amores meramente humanos; como se existissem amores que não fossem meramente humanos. Isso tudo vem a reboque no lastro da cultura ocidental, predominantemente platônico-cristã, que impôs, desde cedo, um padrão de discurso que fazia tudo esbarrar no divino Misterium, no Divino Absoluto que, em tal discurso, era/é o real, sendo tudo o mais meras aparências, sombras, simulacros imperfeitos procedentes daquela perfeição. É o amor sublime (ágape) em oposição ao amor humano (Eros), como a Adélia faz notar no poema “Amor feinho”, no seu livro de estréia, Bagagem, de 1976: “Eu quero amor feinho. / Amor feinho não olha um para o outro. / Uma vez encontrado é igual fé, / não teologa mais.” O amor feinho, aí, é sublimado à categoria agapéia: “não olha um para o outro” com os olhos da estética, da simetria; “é igual fé, não teologa mais...”, entrega-se sem procurar razões. Tão diferente é o outro amor, que vê o outro, analisando-o com olhos de raio x. É essa turbulência que faz “O sempre amor” – outro poema da Adélia, no mesmo livro – ser isso: prazer e dor, querer e não-querer: “Amor é a coisa mais alegre / amor é a coisa mais triste / amor é a coisa que mais quero...” Quando, em 1860, Ivan Turguêniev publicou Primeiro amor (Pervaia Liubov), fez Vladimir Petróvitch, seu personagem principal e narrador, um garoto de apenas 16 anos, amargar pelo amor impossível de sua vizinha, Zinaíde Alexándrovna, de 21 anos, filha de princesa e dona de uma beleza arrebatadora. O amor de Petróvitch – a quem Zinaíde chamava de Volódia – era tão contrário ao amor feinho que, longe de ser aquela entrega da fé (“não teologa mais”), era uma entrega embriagada na/pela beleza que via, e que via bem. Mesmo havendo sido “traído” por Zinaíde – que se encontrava secretamente com o pai de Petróvitch -, e depois de obter a sua confissão de culpa, Petróvitch confessa: “O que eu poderia dizer-lhe? Ela estava à minha frente e me fitava – e eu lhe pertencia por inteiro, dos pés à cabeça, assim que ela olhava para mim. [...] Ela fazia comigo tudo o que queria.” Não é sem muita relutância e depois de sucessivas frustrações que Petróvitch, finalmente, cai em si – isto é, cai na razão: “O que eu ficara sabendo [o romance do seu pai com Zinaíde] estava além das minhas forças; essa descoberta repentina me esmagara... Estava tudo acabado. Todas as minhas flores haviam sido arrancadas de uma vez, e jaziam em volta de mim, espalhadas e pisoteadas”. O destino dos amores platônicos é sempre este, de um modo ou de outro. Cair em si é doloroso, sempre! Mas, afinal, não é sempre melhor a verdade amarga do que a doce mentira? Quem inventou o amor, eu penso, deveria pagar por isso.

4 comentários:

  1. Eu quero um amor bemmmmmmm feinho! ;)
    Beijo.

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  2. Eu acho que quem inventou o amor não deveria pagar nada! Deveria, sim, receber!... Deveria receber amor. Que tal?

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  3. A saudade me trouxe de volta. Esse tema é mesmo infinito! Renato Russo perguntou: Quem inventou o amor? me explica por favor!! Geraldo Azevedo responde: o mesmo amor/é um amor diferente demais/quem inventou o amor/teve certamente inspirações musicais. Ele tambem não sabe, mas uma coisa é certa: a música desperta esse sentimento chamado amor. Nós não sabemos ou não tentamos decifrar os códigos do amor. Tela tem razão. Quem inventou o amor deveria receber amor!!!

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  4. Olá.
    Obrigada pela visita, e pelo comentário.
    Fico feliz em receber uma visita tão ilustre no meu blog. Obrigada mesmo.

    Bem, quem inventou o amor, esqueceu de fazer um manual de instruções (odeio clichês como esse que escrevi agora, mas nunca essa frase me pareceu tão real).
    Eu até tento imaginar o amor como algo estritamente químico, mas a mente não é metalinguística: ela prefere a mitificação!!!

    abração.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo