quinta-feira, 11 de março de 2010

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Das impossibilidades e dos delírios. Jorge Luis Borges, o maior escritor argentino do século XX, disse uma vez: “Parece-me fácil viver sem ódio, coisa que nunca tive, mas viver sem amor, acho impossível”. Algo bem semelhante ao que encontramos no russo Liev Tolstói: “O homem ama porque o amor é a essência da sua alma e por isso não pode deixar de amar”. Afirmações essas que destoam completamente daquela que encontramos em Olavinho Drummond, no seu livrinho Vida positiva, de 1995: “O amor é a grande saída, o melhor caminho, a mais doce opção. [...] Jamais deixe de amar”. Destoam porque, em primeiro lugar, o amor não é nunca “uma saída” – no sentido de “a melhor resposta para tudo” –, e isso é assim porque o amor, também, não pode ser “um caminho” – algo que se tome para..., algo que seja percorrido. Mais do que evidente é o que já constatamos em outros textos aqui: o amor não é nunca uma opção. Como alguém pode optar (amar, não amar) por aquilo que não está em seu poder, sob seu controle? Mesmo respirando aquelas nuvens etéreas do idealismo platônico relativo ao nosso tema, Tolstói também dizia que “o amor é a essência da [...] alma” e “não se pode deixar de amar”. Esse é o segundo ponto a destoar do clichê piegas de auto-ajuda de/em Olavinho Drummond. E eu levo tal ponto à última potência. Isto é: o amor é sempre uma imposição natural da vida que quer viver, da Vontade da vida. A única opção que temos é para os nomes que damos a essa força cega e impulsiva que nos lança uns contra os outros. O único momento que não amamos é aquele em que passamos da condição de vivos à condição de mortos, que é quando não pensamos mais sobre a vida e, assim, sobre o amor, sobre os amores, sobre o amar. Nós somos assim, sempre tão passíveis? Sim. E que escolha temos? Viver é opção; amar, estando vivo, não. Amar/amor é condição da (para a) Vida e, mesmo depois que se vão os desejos do corpo, é ainda o impulso cego que nos impõe a vontade de preservação do que há, do que ficou pelo caminho, do que geramos. Destruir o tudo feito, dá no mesmo. De um jeito ou de outro, amor é sofrimento do começo ao fim, como diz a Adélia: “Amor é sofrimento, é descontentamento, é mais que violento o amor...” Pólemos por toda a parte. Os teólogos repetem Platão quando, como faz o espanhol fundador da Opus Dei, Josemaría Escrivá de Balaguer, em Caminho, de 1934 (considerado um best-seller de espiritualidade), afirmam: “Não há outro amor além do Amor!” Esse amor ideal, caso fosse, seria o único realmente bom e verdadeiro. Mas nós não o conhecemos porque, limitados, só entendemos minimamente do que vemos, tocamos, cheiramos, comemos: o mundo fenomênico. Dizer ou ir além disso é viagem, delírio, metafísica. Sei que é chata a afirmação, mas, olhando a fundo – e ignorando a autoridade do santo –, percebo que Escrivá não diz nada com nada, apenas poetiza sobre um sonho e uma Vontade corrompida; pois, sendo natural, é aí espiritualizada, maquiada, travestida de uma luz que não existe além do conceito, do pensamento abstrato, da palavra que voa como vento e que não é mais do que isso. Os místicos cristãos, afinal, não são superiores e nem melhores do que alguns sábios chineses ou alguns gurus indianos que, em êxtase... deliram.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo