sábado, 20 de junho de 2009

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Da tranqüilidade. O amor de Pedro por Matilda era como a tranqüilidade de quem caminha sobre uma planície eterna, sem acidentes, sem aclives, sem declives, sem novidades. E, talvez por isso, ele se achava cansado. Pois vocês não sabem? A tranqüilidade cansa, fomenta o tédio. E foi num dia desses, de tranqüilidade, que ele conheceu Milena. A belíssima Milena, a semelhança do seu velho e cansado amor, tinha somente a repetição de algumas letras do seu nome; no mais, era a novidade, a expectativa de dias mais pungentes, vibrantes! As imagens do seu tranqüilo amor, de repente, viram-se embaralhadas pelo tufão que foi essa nova paixão. Aflorara agora, como nunca, os defeitos de Matilda em oposição às afrodisíacas imagens de Milena. Apaixonara-se. Apaixonando-se por Milena e, assim, apaixonara-se por sua própria imagem refletida naquele olhar magnético, cheio de promessas de um viço eterno. Teria de tê-la para poder ter-se a si mesmo, de um modo intenso e voluptuoso, tal qual nunca antes experimentara. Mas, a idéia de fazer Matilda infeliz fazia-o infeliz, também. Como chegar para ela e dizer: “O meu amor por você acabou. Eu amo outra pessoa”? Como acabar assim uma relação de tantos bons e maus momentos? Como botar um fim numa coisa que pensava ser eterna? E foi numa noite de outubro, depois do sexo desapaixonado e metódico que já a muito fazia, que Pedro falou para Matilda:
– Precisamos conversar sobre...
– Por favor, Pedro; eu tenho que lhe dizer uma coisa – interrompeu Matilda, assentando-se na lateral da cama. – É sobre o nosso casamento... Olha, Pedro, eu amo outra pessoa, e acho que não posso mais viver junto de você, mentindo, escondendo isso. Me perdoe por ser assim, tão direta, mas acho não sei dizer de outra maneira. E acho também que não posso mais transar com você só para manter as aparências... formais. Isso me dá nojo às vezes. Nojo de você, nojo de mim mesma. Me perdoe, Pedro. Não me tenha mal; eu lhe peço, por favor...
Naquele instante o chão, sobre os pés de Pedro, desapareceu. Como ela poderia estar fazendo isso com ele? Como poderia estar dizendo isso para ele? E ele olhou para ela como nunca havia olhado antes. Ela estava tão linda. Seu corpo nu, de costas para ele, ali na sua cama, era de uma brancura inebriante, erótica, provocante. Ele tentou tocá-la mais uma vez, uma, talvez, única vez. Mas ela recusou seu toque. Levantou-se da cama, pôs a camisola preta que adorava e saiu do quarto. Pedro não acreditava que aquilo tudo estivesse acontecendo. A sensação que percorria seu corpo era de leveza, de liberdade, de, estranhamente, tristeza. Pouco depois ela voltaria, com os cabelos molhados do banho.
– Eu vou levar uma muda de roupa para uns dias, depois mando alguém apanhar o resto – disse, mexendo nas coisas do guarda-roupa. Em seguida, segurando uma pequenina mala, ela sairia do quarto e da vida de Pedro, para sempre. Desde então, ele sequer suporta ouvir a voz de Milena ao telefone, seja convidando-o para o cinema ou para um outro programa em que os dois tenham de estar sozinhos. Na memória de Pedro, como em um retrato em branco e preto, há lugar apenas para as costas nuas de Matilda, para a sua voz dizendo “adeus; vê se se cuida”. E no seu coração, como num filme da Leni Riefenstahl, tudo é preto e branco, deserto e desolação.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo