domingo, 28 de junho de 2009

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Das simetrias. A perfeição é a medida exata da simetria. Dizemos belo àquilo que é simétrico. Ser simétrico, ou belo, portanto, equivale à idéia de um padrão absoluto a partir do qual tudo no mundo pode ser medido, mensurado. Expressões como: “esse arranjo está lindo!”, por exemplo, afirmam a nossa crença na existência de um modelo estético a partir do qual a beleza pode ser dita como mais ou menos bela. Percebendo ou não, fazemos afirmações que oscilam entre esse mais e esse menos; e fazemos isso a todos os instantes e para tudo. Assim fazendo, assumimos um platonismo que nem de longe chegamos a pensar como a estrutura fundo-fundante de nossas idéias mais, ou menos, filosóficas. Essa filosofia toda, ou essa filosofice, aparece disfarçada nas coisas mais elementares do nosso cotidiano: “O amor é lindo!”, “Você viu como ela falava alto? Que falta de educação!”, “O dia hoje está muito quente!”, et cetera. Pois foi inconscientemente levado pelas perfeições simétricas que Igor casou-se com Joana. “O casal mais lindo da cidade!”, diziam os/as colunistas. “O filho desses dois vai ser uma coisa do outro mundo!”, diziam as tias velhas, segurando as suas taças cheias de Peter Brum. Dois anos depois, a coisa do outro mundo nasceu, e deram-lhe o nome de Melanie. Nascida de oito meses, Melanie trazia as marcas assimétricas que malogrosamente herdara, com toda a certeza, do irônico destino, e não dos seus belos e jovens pais. Por algum efeito químico, talvez, a criança, filha de pais brancos, branquíssimos, nascera moreninha, assim meio parda, meio... algo assim, indefinido. Os cabelos, ralinhos, eram crespos e de difícil acesso. Um ano depois, ainda não conseguia dizer “papai” ou “mamãe”. Igor, com o pouco do amor paternal que lhe sobrara depois de todas as desventuras que lhe sobrevieram desde então, começou a desconfiar de que a sua mulher, para gerar tal “criaturazinha”, lhe houvesse traído com um desses unzinhos que existem por aí, aos borbulhões, apesar de todo o amor que dizia ter por ele. Joana, desconfiada de que o marido portasse algum problema genético-biológico, apesar de os médicos asseverarem que não, recusou-se a ter outros filhos. “Uma frustração dessa magnitude é o suficiente para a tristeza de uma vida toda”, dizia-se a si mesma. Mas Igor queria porque queria ter outro filho, “para reparar as feridas que Melanie trouxera”, pensava, em mortal silêncio, com medo de estar blasfemando do bom Deus que dá vida a tudo. De tanto insistir com Joana, acusando-a de racista, preconceituosa, et cetera, et cetera e tal, vieram brigas sobre brigas, tristezas sobre tristezas. E foi assim que, no ano seguinte, quando faltavam sete dias para o terceiro aniversário de casamento dos dois, eles decidiram que não dava mais para viverem juntos, não daquele jeito. Melanie ficou com a mãe, e com os avôs maternos; Igor voltou a morar com os pais, e com as tias velhas, fofoqueiras e frustradas. Essas, assimétricas que eram, nunca arranjaram casamento, e por isso davam todo o amor que tinham ao sobrinho infeliz, como se, ele, um filho delas fosse. Ademais, contentavam-se em ver novelas e dar conta da vida alheia. Nas fofocas familiares, perguntavam-se espantadas: “Como é que tudo pôde findar assim?”. “São as simetrias, minhas tias; são as simetrias...”, berrava Igor, bêbado.

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