quarta-feira, 10 de junho de 2009

2
.
Dos vinhos. De conformidade com o provérbio latino, a verdade está no vinho (In vino veritas). O mesmo é dito por Balzac, nos Esplendores e misérias das cortesãs: “Corentin chamou Derville de parte e disse-lhe: – In vino veritas! A verdade está debaixo das rolhas”. Pois foi assim que Carlos Eduardo, numa festa de final de ano, depois de anos e anos de solidão e de amoroso silêncio, mediante os efeitos inebriantes do néctar dos deuses, declarou à Maria Estela, de joelhos, no meio sala, entre os convivas: “Eu te amo, Maria Estela; sempre te amei”. O povo amigo, igualmente alterado, desabou em assovios e aplausos de “arre! finalmente!”, e danou-se a repetir, com palmas desencontradas: “Beija! Beija! Beija!...” Era evidente que o Carlos, in natura, não teria coragem de fazer o que fazia ali, aquela cena toda. E Estela sabia que ele, apesar do porre, falava sério e tinha lucidez suficiente para compreender as implicações decorrentes do fato dado. Todos na sala, os que assistiam a cena “hollywoodiana”, sabiam que Estela também nutria o mesmo sentimento em relação ao confessante que esperava uma resposta favorável ao seu amor de tanto guardado. Estela, todavia, corada de vergonha ante a cena tão cafona, só conseguiu mesmo foi deixar a sua taça cair, manchando a ponta do tapete. E todos que esperavam ouvir um “eu também te amo”, ouviram apenas uma voz tristonha e melancólica que dizia por entre os dentes: “Levante daí, Carlos! Você tá ridículo!” E a festa, claro, não foi mais a mesma. É, in vino veritas, de um jeito ou de outro. Estava claro que Estela, in natura, não diria aquilo ao homem da sua vida; o homem que, no dia seguinte, e nos dias subseqüentes, passou a evitá-la como o Diabo à cruz. É que o Carlos Eduardo, além da vergonha do horroroso vexame, nutria agora uma crescente antipatia àquela que, de modo tão frio, o rejeitara.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo