quinta-feira, 11 de junho de 2009

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Das típicas confusões do confuso amor. Gabriela amava Júlio, que, coisa mais normal – Drummond que o diga –, não a amava; porque no seu coração só havia lugar para Alfredo... que morreu de AIDS em agosto de ’99. “Agora que o Alfredo bateu as botas”, pensava Gaby, “o Júlio há de olhar para mim”. Qual nada! Cinco meses depois, numa festa de carnaval, o Júlio achou de se enrabichar por um traveco chamado(a?) Luana. Vai entender as coisas do amor... “Odeio esses viados!”, dizia Gaby em seus excessos de ira e frustração. Gaby, agora aos 40, diz ter amor somente por sua cadelinha poodle, que batizou com o nome de Alfredo, em memória (e vingança) do falecido. Nem Freud explica.
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Dos infortúnios. “[...] a história não é o lugar da felicidade. Seus períodos de felicidade são suas páginas brancas”; sábias palavras de Hegel. A Sra. Ayer casou contra a vontade, para satisfazer os desejos dos pais, aos quais obedecia cegamente. Viveu com o Sr. Alfred Ayer longos e infelizes vinte e oito anos. Longos porque, nesse tempo todo, ainda morava em seu peito a imagem de Leonard Gilthyer, a quem amava desde a mais tenra idade; tristes porque, de algum modo, sabia que não podia tê-lo, a não ser por meios ilícitos – o que ia contra a sua natureza e os votos feitos no altar, perante o Senhor e todas as testemunhas. Mas, quem jamais compreendeu os desígnios do Senhor? Numa bela tarde, em pleno vigor de sua saúde, o Sr. Ayer faleceu, abruptamente. A causa misteriosa, misteriosíssima, nunca seria descoberta. A Sra. Ayer, não acreditando nos pensamentos que lhe vinham à mente, chegou a pensar se o Senhor, nos altos céus, na sua infinita misericórdia, não estaria lhe dando uma nova chance de ser feliz na terra, ao lado do “seu” belo Leonard – que ela sabia ter, também por ela, os mesmos sentimentos que lhes eram, até então, impossíveis. Já durante o funeral, que se realizou na tarde chuvosa do dia seguinte, sem muitas pompas, a Sra. Ayer diria a Leonard, num misto de tristeza, alegria, ansiedade e discrição: “Meu amor, agora você precisa ter paciência. Já suportamos tudo isso até aqui; poderemos, certamente, aguardar mais um pouco até que o morto seja esquecido pelo populacho”. E Leonard, sempre amável e paciente, assentiu à proposta. Os sofrimentos da Sra. Ayer, nos dias que vieram após o incidente, multiplicaram-se assombrosamente. Por um lado, sofria com o remorso de não ter sido uma boa esposa e, na morte tão repentina do seu pobre marido, não ter disposto do tempo necessário para lhe pedir perdão por algo que houvesse feito, contrariando-o; por outro lado, sofria com a expectativa de que o tempo passasse para que ela, por fim, pudesse entregar-se ao amor do seu Leonard. E assim, quando não era assombrada pelo fantasma do seu marido, reclamando um amor que nunca tivera, era assombrada pelo fantasma da solidão, do desejo de possuir e ser possuída, finalmente, pelo amor a que resistira por tantos e tantos anos. Passaram-se duas primaveras antes que a Sra. Ayer recebesse pela primeira vez em sua casa o respeitável e distinto Leonard. Marcaram o casamento para o final de maio do ano seguinte. Para manter o respeito e as aparências, restringiram os encontros a dois por semana, e sempre na presença de convivas, para que não levantassem suspeitas quanto à idoneidade das pessoas dos enamorados e daquele novo relacionamento. Fim de maio. O dia tão esperado, por fim, chegara. A Sra. Ayer quase não conseguia se conter de alegria e ansiedade. Por que as horas não passavam? O noivo, que morava próximo dali, viria em uma charrete especialmente alugada para a ocasião festiva. As horas pareciam eternas... E Leonard, por que não chegava? Quando o criado chegou, a Sra. Ayer previu mil recados, exceto aquele que aquela infeliz criatura trazia: o animal que puxava a carruagem assustou-se, não se sabe com o quê, e, descontrolado, fez a carruagem tombar. Num lance de pura infelicidade, Leonard caíra de costas, batendo com a cabeça numa pedra à beira do caminho. Morrera em seguida.

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