quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

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Do doloroso prazer emotivo. Prazer (voluptas) e dor (dolon) são duas notas que formam um acorde chamado “emoção” (affectus, ou passio). Diferentemente do que rezam algumas interpretações moderninhas da tradição filosófica, principalmente quando têm o epicurismo por tema - às vezes reputado por leitores superficiais e hostis como uma doutrina do prazer sexual -, o prazer nem sempre pode ser associado à felicidade (gr. eudaimonía; lat. felicitas). O prazer é mais ligado à condição temporal da satisfação equilibrada na conformidade natural, ao passo em que a felicitas, pelo menos no seu sentido mais profundo, diz respeito a uma satisfação plena, duradoura, que pretende-se eterna – como aquela que Santo Agostinho disserta no De beata uita, ou como a que Nietzsche, em Assim falou Zaratustra, diz, de modo poético: “O prazer quer a eternidade de todas as coisas, quer profunda, profunda eternidade!” Claro que considero, aqui, os rompimentos de Nietzsche com a tradição metafísica e a moral cristã tradicional, tão marcada e presente em Agostinho. Seja como for, e num passado bem mais passado, também Aristóteles dizia que o “prazer é o ato de um hábito conforme a natureza”. Convém lembrar que, para Aristóteles, hábito tem o sentido de “disposição constante”. A importância dessa definição está no fato de o prazer dever ser diferenciado de sensibilidade – ou dos prazeres sensíveis –, uma vez que o hábito pode ou não ser sensível. Foi somente no Renascimento que as definições de prazer foram mais associadas às funções biológicas, e assim, também, mais próximas da emoção – que bem pode ser um nome àquilo que você sente na barriga, como se borboletas voassem dentro dela. Descartes, por exemplo, colocando a alegria como uma das seis emoções fundamentais, diz que ela é “a emoção prazerosa da alma, na qual consiste a fruição do bem que as impressões do cérebro lhe representam como seu”. Algo, sem dúvida, muito diferente da afirmação de Spinosa: “Entendo por alegria a paixão graças à qual a mente eleva-se a uma perfeição maior” – que é, sem dúvida, muito mais próxima daquela de Aristóteles, mencionada agorinha. As características tradicionais (aristotélicas) relativas ao prazer foram mantidas pela psicologia moderna, e renovadas as funções biológicas, confirmando, ao mesmo tempo, aquela especificidade ativa da conceituação clássica, como afirma J. C. Flugel, em Studies in feeling and desire, de 1955. Em relação ao prazer e à emoção, a dor surge como uma das tonalidades mais fundamentais, e, no entanto, e evidentemente, a mais negativa – sempre desfavorável à situação do indivíduo: “A dor diz: ‘Passa, momento’!” (Nietzsche). Mas acontece que essas coisas não podem ser separadas. Daí que a emoção, na definição aristotélica, é toda afeição da alma, acompanhada pelo prazer ou pela dor. Portanto, se Aristóteles estiver certo – como eu acredito que esteja –, o amor, que é o estábulo maior da emoção, é também o fundamento do prazer e da dor, ou vice-versa; a dor é o fundamento do mundo: porque o mundo é pólemos e transformação, e isso dói. Pólemos, dizia Heráclito, é a “mãe e rainha de todas as coisas”, e Empédocles, colocando-a ao lado de Eros, dizia que os dois são os elementos constitutivos que unem o mundo – Ódio (ou Discórdia) seria o elemento contrário, a desuni-lo. Empédocles erra ao separ pólemos de Eros e de Ódio. Tudo, no fim, é Eros e, logo, pólemos. O que isso nos diz? Diz que a dor, por quaisquer dos caminhos dos amores, é sempre presente, como presente é a guerra. Quer dizer: a dor existe tanto para quem ama como para quem não acredita no amor, no amar. Mas, ah!, quanta ironia! Todo mundo, de um modo ou de outro, ama. Amar não é opção, é condição de vida, de viver. O que se escolhe é só o meio, o modo como se ama; o que se faz a tais amores é tão somente nomeá-los, dançando-se conforme a música: nomes, palavras.

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