quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

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Das relações entre a paixão e o amor, e do conluio de ambos em função da vida. O amor romântico, embora seja bem comum vê-lo definido como algo bem distinto da paixão, com ela, em/por suas finalidades, se confunde (co-funde). Amor e paixão não são coisas distintas, mas termos que se aplicam a situações distintas - uma levando à outra, invariavelmente. Tem gente que tem medo de dizer que ama, por pensar que se trata de um sentimento nobre, tão nobre que, isso, não se deve dizer a qualquer um. Esse/essa não nota que, tanto o ódio que sente contra o adolescente fela da puta que matou com doze facadas a avó velhinha para pegar seu dinheiro e comprar crack, como a vontade que sente de abraçar e proteger a menininha linda de sete anos que chora por haver perdido os pais no acidente, são as ações da Vontade que lhe movem hora a isso, hora àquilo. “Pro adolescente assassina, né amor não, Patativa, é ódio”, alguém me diz. Ora, o que vem a ser tal ódio senão, de outro ângulo, amor à velhinha morta? Amor à ordem moral que foi rompida? E, à menininha de sete anos: que é isso que se sente senão a piedade que vê ali o frágil, pedindo proteção e abrigo? A inocente beleza em risco. De um jeito ou do outro, mesmo que por ângulos diferentes: amor. Mais um exemplo, e bem comum: tem gente que, quando faz sexo, diz que faz amor, como se a palavra sexo fosse, assim, aliviada, e a cópula não fosse isso assim tão... carnal, feio. Acontece que, tanto em um como em outro caso, é a Vontade que, por cima de tudo, nos conduz a tais sentimentos, tais ações – e em tais ações é que se empregam os diferentes nomes para o amor. Você percebe? No final de tudo, tudo se resume nesta única palavra: Vontade. A palavra “amor” é criação cultural, máscara da civilidade. “Paixão”, como já vimos, vem do latim passione, e diz respeito ao “que sofre a ação”, seja ela qual for, venha de onde vier. Da paixão, a definição do Aurélio, menos etimológica e claramente co-fundida ao amor e à cultura, diz: “sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão”. Alguém pode dizer, por exemplo, que é apaixonado pelos filmes do Almodóvar, do mesmo modo que pode dizer que ama os filmes do diretor espanhol; dá no mesmo. Alguém pode dizer que ama as músicas da banda franco-canadense Stereolab. Outro pode dizer que ama um determinado time futebol, et cetera. A palavra “apaixonado”, aí, teria a mesma validade sinonímica. E a co-fusão é fácil porque é legítima e evidente: uma e outra coisa são só meios de, às vezes, acentuar essa ou aquela intensidade. A paixão também, como vimos no Aurélio – e para usar o nosso dicionário mais conhecido –, é sinônimo de insensatez, pois “sobrepõe-se à lucidez e à razão”. “Ele foi vencido pela paixão”, é dado como exemplo. Quer dizer: o indivíduo possuído pela paixão fez o que, de modo lúcido, não ousaria fazer. O amor enlouquece o amante, torna-o doente, anestesiando-o contra a sensatez da razão pura. Certo é que, tanto a paixão quanto o amor, em se tratando do “sentimento oceânico”, são macomunados em função da Vontade, sendo-lhes como servos e partes. O amor e a paixão também são escravos do devir; é que o amor, sozinho, é tão estranho que não cabe direito em qualquer definição, e não existe sem a paixão; nunca. “Amor é sofrimento, é descontentamento...”, diz Adélia, com toda a razão deste mundo, e dos outros mundos também. Prova disso são os inúmeros filmes, livros, músicas, et cetera, que tentam “decifrá-lo”, amoldá-lo a uma imagem, a um símbolo, a um tipo de conduta, de comportamento. Amor e paixão: dois braços da Vontade que, hora nos conduz com um, hora com outro.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo