segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

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Das grandes e pequenas tragédias. “Melancólica paz nos traz esta manhã. O sol, de luto, não se mostrará. Embora daqui, vão, e conversem sobre esses tristes fatos. Alguns serão perdoados, e outros, punidos, pois jamais houve história mais dolorosa que esta de Julieta e Romeu”. Assim termina Romeu e Julieta, a tragédia romântica mais famosa do mundo, escrita entre 1591 e 1595, ainda no começo da carreira do dramaturgo inglês William Shakespeare – que utilizou-se, em seu enredo, de um conto italiano mais antigo, traduzido em versos por Arthur Brooke, em 1562 (e que se chamava A trágica história de Romeu e Julieta) e retomado em prosa por William Painter, em 1582 (com o título de Palácio do prazer). As duas fontes serviram muito bem a Shakespeare (e você pensando que ele era tão original, hem?). As tragédias têm o poder de mitificar as suas pobres personagens. Já imaginou Romeu e Julieta terminando assim: “E os dois viveram felizes para sempre”. Difícil ter, como tem, tanto deste encanto trágico: o meigo e puro amor dos dois, de modo tão medonho, abruptamente interrompido. A leitura de Os sofrimentos do jovem Werther (com a sua primeira edição em 1774) não provocaria tantos suicídios se Werther, afinal, de alguma maneira que não faço a mais longínqua das idéias (talvez se Charlotte ficasse viúva de Albert?), conquistasse o amor de Charlotte. Mas Goethe, com certeza, também não faria todo o sucesso que fez com a referida obra. Há, em toda tristeza, um enigma de beleza crepuscular. É com muita propriedade que Peter Kreeft, em Making sense out of suffering (de 1986), diz que “a tragédia é nossa forma literária mais nobre. A música triste é a mais bonita para nós”. Para os gregos, de quem herdamos muito (ou quase tudo) da nossa maneira de ver e sentir o mundo, o “deus de todas as coisas” era Pã, e seu trabalho, pandemonium. E, acima de todos os deuses, reinava Moira, o destino cego. Daí que a forma mais comum de expressão da cultura grega seja a tragédia, o trágico. E, como eu já disse noutra parte aqui, de amor e de guerras por amor é que é feita a história humana, e os livros, e os discos... sendo tudo o mais apenas adição. As tragédias, sejam elas quais forem, têm no amor o seu principal tema. Talvez não seja exagero afirmar que as histórias de amor sejam as histórias das tragédias, ou vice-versa. A maior história de todas as histórias de amor que se conhece no Ocidente, por exemplo, tem o seu ápice na morte do principal personagem, crucificado. A ressurreição do Cristo não provoca tanto os nossos sentidos como a imagem da sua agonia: o inocente sangrando em dores na cruz, humilhado, dizendo entre soluços: “Perdoa-os, Pai; eles não sabem o que fazem” e, o final, dramático-trágico: “Está consumado!”. As trevas desabam sobre a terra; as mulheres choram... Das maiores às menores histórias, o amor é presente como presentes são as palavras com as quais as mesmas são escritas; e não há como ser diferente. É como o dono da sombra à mesma, e vice-versa. Algo muito parecido é dito por Milan Kundera em Os testamentos traídos (1993): “Será que o amor absoluto não significa que devemos amar o outro com tudo o que há nele e sobre ele, inclusive as suas sombras?” Já em A insustentável leveza do ser (1984), ele dissera: “Os amores são como impérios: desaparecendo a idéia sobre a qual foram construídos, morrem junto com ela.” No pequenino comentário que faz sobre o escandaloso Madame Bovary (escrito por Gustav Flaubert em 1857), Kundera, por fim, diz haver descoberto, com assombro, que o momento presente é feito da coexistência perpétua do banal e do dramático, e que é sobre tal estrutura que todos nós, de uma forma ou de outra, montamos as nossas vidas, os nossos projetos, grandes e pequenos. Vai ver o escritor do Eclesiastes meditava sobre isso quando afirmou: “Vazio de vazios, tudo é vazio”. Mas, que seríamos de nós se não fossem as nossas pequeninas tragédias diárias?, me pergunto. No mundo, pelo menos no “nosso mundo”, são essas pequeninas tragédias que interrompem o curso corrosivo da tranquilidade que é – ou que pode ser – tão letal e destrutiva quanto as grandes tragédias. Exemplo disso é o que se dá no enredo de Childhood’s end, novela de ficção científica de Arthur C. Clark, escrita em 1953, e que deu nome a uma canção da banda inglesa Pink Floyd, no álbum Obscured by clouds, de 1972. Uma bondosa raça de alienígenas quer trazer, à força, paz para a terra. E conseguem. Anos depois o mundo está, por assim dizer, perfeito. Mas este tão admirável mundo novo e tão admiravelmente maravilhoso é também tão admiravelmente... chato, tão tedioso e tão sem significado que o suicídio se torna a “consumação a ser devotamente desejada”. Paz, demais, não há quem a suporte. Freud, não sem pensar, dizia que “não há quem suporte um dia perfeito após o outro”. Eis o dilema das guerras, das amorosas tragédias diárias, da dialética que carecemos. Em resumo: amor romântico é Vontade, e Vontade é carença, falta, sofrimento, desejo trágico - trágico porque, realizado, é o tédio, e mais sofrimento. É uma guerra de/nos sentidos, e a paz desejada que, conhecida, torna-se pior que a própria guerra: sim, porque quem não ama, ou está morto ou virou vegetal. Well, here comes Shakespeare: “All is well that ends well”. Ou será que é ao contrário?

3 comentários:

  1. Querido, acredito profundamente que a CULPA arraigada na alma de cada um é quem na verdade determina o tamanho de cada tragédia particular.

    Infelizmente alguns não se permitem a felicidade... é tanta culpa ancestral e pessoal na alma, no sangue, nas células que não há outra saída se não a sabotagem diária de todos os caminhos que podem levar ao final feliz.

    Eu, particularmente, adoro uma tragédia, mas só na literatura kkkk Na vida... eu quero é ressurreição... FINAL FELIZ... sempre, inclusive hoje. E que venham os vendavais, de pá em punho, plantarei outro roseiral.

    Beijos saudosos.

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  2. Letra, querida, estava sentindo sua ausência por aqui!!! Obrigado por aparecer! Obrigado também a Nine, Clarissa, e aos anônimos/anônimas! O Grande Livro do Amor está quase cehegando ao fim. Beijo a todos e todas!

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo