quinta-feira, 20 de maio de 2010

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Das razões pelas quais se mata, se vive, se morre. Em O juiz e seu carrasco (1950), do suíço Friedrich Dürrenmatt, o comissário Bärlach e o policial Tschanz entram na casa do Sr. Gastmann, mas quem eles encontram e interrogam sobre o assassinato do tenente Schmied, é o conselheiro federal von Schwendi, que não lhes ajuda tanto. Decidem ir até o policial da aldeia de Lamboing, Jean-Pierre Charnel, que parecer saber alguma coisa sobre o Sr. Gastmann. Assim, numa estalagem onde se encontram e bebem vinho branco com pão e queijo, Bärlach pergunta a Gastmann:

- O que faz esse Gastmann, Gastmann? – continuou interrogando.

- Um monsieur très riche – respondeu o policial de Lamboing, entusiasmado. – Tem dinheiro como água, é très noble. Dá gorjeta a minha fiancée – e apontou para a garçonete, orgulhoso – comme un roi, mas não com a intenção de querer alguma coisa dela. Pas ça, non.

- Qual é a profissão dele?

- Philosophe.

- O que quer dizer isso, Charnel?

- Um homem que pensar muito e nada fazer.

O juiz e seu carrasco, em síntese: o ato de matar pode ser uma obra de arte, o de morrer, não - é uma coisa a se pensar. Helena, me acredite: nunca se mata ou se morre se não for por amor – e isso não tem qualquer conotação filosófica. Mas, refletir sobre o porquê de não morrer, sim. Daí Camus, em O mito de Sísifo (1942) colocar o suicídio como a única questão filosófica realmente séria: “Só há um problema filosófico verdadeiramente sério”, ele diz: “é o suicídio”. E argumenta:


Julgar se a vida merece ou não ser vivida, é responder a uma questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, vem depois. São apenas jogos; primeiro é necessário responder. [...]

Se pergunto a mim próprio como decidir se determinada interrogação é mais premente do que outra qualquer, concluo que a resposta depende das ações a que elas incitam, ou obrigam. Nunca vi ninguém morrer pelo argumento ontológico. Galileu, que possuía uma verdade científica importante, dela abjurou com a maior das facilidades deste mundo, logo que tal verdade pôs a sua vida em perigo. Fez bem, em certo sentido. Essa verdade não valia a fogueira. Qual deles, a Terra ou o Sol, gira em redor do outro, é-nos profundamente indiferente. A bem dizer, é um assunto fútil. Em contrapartida, vejo que muitas pessoas morrem por considerarem que a vida não merece ser vivida. Outros vejo que se fazem paradoxalmente matar pelas idéias ou pelas ilusões que lhes dão uma razão de viver (o que se chama uma razão de viver é ao mesmo tempo uma excelente razão de morrer). Julgo pois que o sentido da vida é o mais premente dos assuntos ― das interrogações.

“Razões para viver são também excelentes razões para morrer.Quem morre por uma Verdade sem a qual não pode viver, não é por uma ilusão que morre? “Se a terra gira em torno do sol ou se o sol gira em torno da terra”, para o que ama, “continua sendo uma questão de profunda indiferença.” A razão e o delírio são estados mentais daquele que acredita estar, em algum ponto do conhecimento, de posse de uma Verdade incondicionada, ou daquele que, em êxtase, considera supérfluo tudo o que não seja a sensação - como na experiência mística ou romântica, a exemplo do jovem Werther, apaixonado: Desde esse momento, Sol, Lua, estrelas podem seguir tranqüilamente a sua órbita, que para mim já não há mais dia nem noite, e o mundo inteiro dissipou-se à minha volta.” A Vontade de vida, manifesta no amor romântico, não exige o pensamento; e caso ele exista, não é mais que a ciência que tem o cão amarrado à carruagem de Moira: o tamanho da corda. Pensar, às vezes, só atrapalha.

Um comentário:

  1. Pensar, de fato, atrapalha, Filósofo.
    Pensemos apenas que se trata de um mal necessário e de males necessarios este é o menor.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo