domingo, 2 de maio de 2010

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Do discurso moral e dos acidentes cotidianos. A Vontade, que se co-funde com amor, que nada tem a ver com o romance – e eu falo de categorias literárias –, é paixão que quer intimidade, e depois, em troca, dá o desprezo. Omne animal triste post coitum. E por que é assim? Porque o amor não resiste e nem existe sem passion, mas a passion por um objeto único não é mais que a chama de uma vela: o tempo ou lhe apaga com seus temporais tão comuns ou faz com que ela se auto-consuma. Além da mentira em favor de um “eterno amor” ou da simpatia que um possa ter pelo Outro, seu de tanto conhecido, não há mais opções. Intimidade sem passion é obrigação e... tédio. Duas pessoas que envelheceram se amando, são duas pessoas que envelheceram mentindo: por conveniências, por convenções. A inautenticidade é a coisa melhor distribuída entre os homens. Na França do século XVII - disso dá conta a vasta literatura romancesca -, já se notara que o casamento não é prova de amor. A união mundana é, ainda, aí, metáfora do amor a Deus e obediência à Sagrada Escritura que reza, imperativa: “Crescei, multiplicai, enchei a terra.” Quanto mais o “amor a Deus” diminui, tanto mais a castidade moral se abala e, aí, surge a necessidade de se criarem novas éticas amorosas: para o flerte, o cortejo, o galanteio. Produto da elite, tal ética se dissemina através das obras literárias, dos estilos vários: novelas, contos, poemas, ensaios, sermões, et cetera. Nesse aspecto (literário) é possível, conforme a teoria histórico-sociológica luhmanniana, ver o amor como um meio de comunicação simbólica, onde o romance (obra literária) fixa e codifica comportamentos – coisa que toda sociedade, de um modo ou de outro, parece ter de passar, como um processo evolutivo-educativo comum. O amor durante a Renascença, por exemplo, é amare amaro (amor amargo), coisa contraditória em si, de si, per si. Mas o amargo não suplanta o desejo de ver o objeto amado como “algo” doce, sublime, ideal; e é assim até que se passe de tal idealização à sua paradoxização natural – é um experimento ao qual se tem de viver para, vivendo, como a rosa retirada do seu pé e depositada nas mãos da mulher amada, morrer. A vida mesma é uma escola do amor (école d’amour), e é também o seu tribunal (cour d’amour), constituindo-se numa metáfora útil às críticas e às análises (codificações) das situações amorosas, histórico-temporais. O amor que não depõe contra a razão, como demonstrado no Dialogue de l’Amour et de la Raison (1667), de F. Joyeux, só pode ser lido hoje à luz da tradição daquele ideal do Romantismo, em que ele, irracional, à razão se subordina (caritas ordinata, amor rationalis). Mas, se ele é assim tão irracional, porque reconheceria a razão como guia de suas ações? O amor, disso dá prova a realidade do mundo, a vida vivida em seus disparates cotidianos – e não a vida impressa nas novelas que se vendem em bancas de revistas, se vê na TV, no idiotismo hollywoodiano –, anda por escarpas enevoadas, estradas sinuosas, abismos sem placas. A vida não quer saber, a vida quer é viver; e nós lha obedecemos cegamente. Viver é, em seu último grau, amar; amar é demonstrar, de algum modo - e são muitos -, nossa insanidade; agir por razão é, por fim, acidentar-se.

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo