quinta-feira, 8 de abril de 2010

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Da imaginação e da pederastia. Falei há pouco que, da tentação que se deseja fugir, não adianta, pois: “Tudo está na mente. Mesmo a curva de uma árvore ou o curso sinuoso de um rio, dado o caso, lembra o corpo de uma mulher, os cabelos longos que tremulam ao vento.” E aí me lembrei de uma passagem muito engraçada de O nome da rosa (1980), de Umberto Eco. O velho padre Ubertino está junto à estátua da Virgem, e reza. Nisso, chegam frei Guilherme e seu jovem discípulo, Adso, a quem Ubertino, depois de dizer algumas coisas, fala da beleza de Maria, figurada na imagem esculpida. Seus olhos brilham, como quem está em algum estado de graça: “Tu deves te iniciar no amor sem mácula. Eis alguém cuja feminilidade foi sublimada. Por isso dela podes dizer que é bela, como a amada do Cântico dos Cânticos. Nela até a graça do corpo torna-se signo das belezas celestiais, e por isso o escultor represento-a com todas as graças de que a mulher deve ser adornada.” Depois disso, diz o narrador (Adso, agora um velho monge no mosteiro de Melk): “[Ubertino] apontou-me o busto delgado da Virgem, sustido no alto e apertado por um corpete preso no meio com laçarotes, com os quais brincavam as pequenas mãos do Menino”. E Ubertino continua: “Estas vendo? Pulchra enim sunt ubera quae paululum supereminent et tument modice, nec fluitantia licenter, sed leniter restricta, repressa sed non depressa... O que experimentas diante desta dulcíssima visão?” A pergunta de Ubertino faz o jovem pretendente ao sacerdócio tremer. Não é a imagem da Santa que ele vê, mas a da mulher. O que poderia responder? Ele mesmo diz: “Eu corei violentamente sentindo-me agitado como que por um fogo interior. Ubertino deve ter percebido, ou talvez tenha percebido o ardor das minhas faces, porque logo acrescentou: ‘Mas deves aprender a distinguir o fogo do amor sobrenatural de delíquio dos sentidos. É difícil mesmo para os santos.’” Se é!, eu digo; na verdade, acho-o impossível. O mestre franciscano Bernardino de
Sahagún, que foi um dos primeiros educadores de jovens no México colonial, foi também um dos mais ácidos críticos do sistema educacional implementado pela Igreja em Tlatelolco, com o fito de arrebanhar jovens nativos para o seu serviço: “Qui veut faire l’ange fait La bête”, disse. “Quem quer se fazer de anjo, é besta”. O frade fala, aí, da homossexualidade que se tornara comum no tal recinto sagrado. Em seu modo de ver, a tal mudança de comportamento era resultado do método de internato imposto aos jovens mexicanos. Não demoraria muito e as autoridades coloniais fariam parar as atividades do colégio de Tlatelolco. Naquele tempo, Helena, a tolerância à pederastia era mais severa. Fato que me lembra uma viagem que fiz a Crato, interior do Ceará: eu, Marta e Mabel – com quem me casaria tempos depois. Lá, fomos visitar um Seminário católico que dá nome ao bairro onde moram umas primas minhas. Depois da visita, e ao sairmos, Marta me pergunta, meio afirmando, meio admirada, meio perplexa: “Antoniôoo...!, o requisito pra ser admitido nesse seminário é ser viado, é?” E eu ri, e achei melhor não falar bobagens.

3 comentários:

  1. parece que você melhora cada vez mais na forma de se expressar, dizer as coisas. Adoto tudo o que você escreve professor. Beijo. Alice

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  2. Obrigado pelos comentários, Clarissa, Letra, Nine, Marta, Alice, Larisssa! Abraço e beijo pra todas!

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  3. É verdade. Muita coisa está na mente a minha é um imenso arquivo. Que viagem boa, que vista linda lá de cima do pátio do seminário, QUE SAUDADE!!! Outro dia, no almoço depois do batizado da filha de uma sobrinha, fiz um comentário perguntando, depois de observar por um tempo alguns padres e seminaristas. Porque eles são todos assim e falam do mesmo jeito? alguem respondeu: não é o que voçê está pensando. Eles são assim por causa do convívio. E eu irônica e pensativa respondi: É!? deve ser o convívio!!!

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patativa moog, amor, filosofia, felicidade, paixão, desejo